A imagem de um jovem ardendo em chamas é o retrato mais dramático de uma semana em que, mais uma vez, a população da Venezuela pediu socorro. O rapaz foi uma das vítimas dos confrontos ocorridos nos últimos dias entre manifestantes e a polícia do presidente do país, Nicolás Maduro. Os atos alcançaram enorme violência desde que Maduro anunciou a convocação de uma Assembleia Constituinte, na segunda-feira 2. Até a noite da quinta-feira 4, 36 pessoas haviam morrido, cerca de 400 apresentavam ferimentos e mais de 1,7 mil tinham sido detidas.

Maduro justificou a convocação da Constituinte com o argumento de que a Constituição atual, de 1999, portanto feita sob a supervisão de seu antecessor e padrinho político, Hugo Chávez, precisaria ser reformada. Isso seria necessário para derrotar o que chamou de “golpe fascista”, referindo-se às pressões oposicionistas e internacionais sobre seu governo. A manobra, porém, seria segundo seus oponentes mais uma das executadas por Maduro com o intuito de estender mais seus poderes. Uma das consequências imediatas é o novo adiamento das eleições para governador, que deveriam ter ocorrido em dezembro, e das municipais, previstas para este ano.

De fato, as circunstâncias em torno da convocação e do processo de confecção de uma nova Constituição são nebulosas e questionáveis. O decreto que dispõe sobre o tema foi entregue ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que será o responsável pelo estabelecimento das regras. Ocorre que, dos cinco integrantes do órgão, quatro são aliados de Maduro. Sem normas claras, há apenas diretrizes colocadas pelo presidente. Entre elas, a que determina a eleição de 500 integrantes para a Constituinte, metade deles representantes de movimentos sociais que dão sustentação a seu governo. O restante, indicados por municípios. Partidos políticos estão fora da composição.

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Reações explosivas

Ninguém sabe se haverá permissão para que membros da oposição se candidatem. O que há de seguro é que o caminho para isso será difícil. Caso o CNE proíba realmente a participação de partidos políticos, a situação dos que enfrentam Maduro se complica. O cenário será agravado se o mesmo conselho decidir-se pela inelegibilidade de políticos oposicionistas, a exemplo do que aconteceu com Henrique Capriles, um dos principais líderes da frente contra Maduro.

Por essas razões, e por estar a Venezuela enfrentando uma crise econômica aguda, as reações contra a reforma constitucional foram tão explosivas. O país está quebrado financeira e socialmente. A inflação corroeu a moeda local, o bolívar, e deve ultrapassar os 700% neste ano. Há desabastecimento de alimentos, remédios e combustível. Vive-se o caos.

Dentro do país, Henrique Capriles e Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional, fizeram pronunciamentos contundentes. Capriles rebateu a afirmação de Maduro de que uma nova Constituição seria um antídoto contra o tal golpe fascista. “A proposta de reformar a Constituição é uma fraude e fecha todas as portas democráticas.” Borges, por sua vez, disse que uma Constituinte sem a participação de políticos e integrada somente por aliados do governo não tem legitimidade alguma. “Ela não representa o povo.”

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Os governos brasileiro e argentino criticaram a proposta. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, chamou de golpe a manobra. “Os eleitores são de organizações controladas por Maduro para fazer uma Constituição de acordo com o que ele quer”, acusou. “É mais um momento de ruptura da ordem democrática, contrariando a própria Constituição.” Sua colega argentina, a chanceler Susana Malcorra, afirmou que Maduro estimula a convulsão social. “Neste momento é quase como jogar gasolina no fogo. Parece que todo mundo está aumentando as apostas e não está pensando nos que morrem na rua. Seja qual fora a posição política, são venezuelanos”, declarou Susana.

Três dias antes do anúncio da Constituinte, Maduro notificou a Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre sua decisão de tirar a Venezuela da entidade. Desde o agravamento da crise, a OEA tem se colocado como uma das maiores críticas do regime chavista e recentemente anunciou uma reunião de chanceleres dos países integrantes para discutir saídas. O secretário-geral da organização, Luis Almagro, mais uma vez reiterou a posição da entidade frente aos desmandos de Maduro. “A proposta de convocação da Constituinte é errada, inconstitucional e fraudulenta”, afirmou. Na opinião de Thiago Gehre Galvão, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, as saídas de socorro ao povo venezuelano virão da mediação diplomática, processo que deve contar com participação atuante do Brasil. “É preciso menos retórica de oposição somente e mais empenho para levar o governo venezuelano de volta para a mesa de negociação.”

Por que é golpe

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• A Assembleia Constituinte será composta por 500 representantes. Metade associados a movimentos sociais ligados a Maduro (foto) e o restante, aos municípios. Não haverá participação de partidos políticos
• Indivíduos da oposição terão poucas chances de serem eleitos. Não se sabe se poderão candidatarem-se
• As regras para o processo não estão conhecidas. Serão definidas pelo Conselho Nacional Eleitoral, de maioria chavista

FOTOS: Ronaldo Schemidt/AFP; Ketlin Alves; Federico Parra/AFP


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