No momento em que Rússia e Turquia ensaiavam uma inédita cooperação diplomática, um assassinato à queima-roupa e diante das câmeras de TV abre uma nova crise – desta vez com consequências que podem ir além da relação entre os dois países. A execução do embaixador russo Andrei Karlov na segunda-feira 19, quando discursava na cerimônia de abertura de uma exposição fotográfica em Ancara, capital turca, foi um ato de provocação. Ainda com a arma do crime em punho, o policial turco Mevlüt Mert Altinas, de 22 anos, deu um recado direto: “Não se esqueçam de Alepo, não se esqueçam da Síria. A menos que nossas cidades estejam seguras, vocês não vão ter segurança. Só a morte pode me tirar daqui. Todos que estão envolvidos nesse sofrimento vão pagar um preço”, disse o atirador antes de ser detido. Alepo é palco da guerra civil síria, onde recentemente foram denunciadas violações de direitos humanos. “Por trás desse lamentável incidente houve uma clara intenção de interromper o processo de aproximação entre Turquia e Rússia, que até o momento havia dado sinais de avanço”, afirmou à ISTOÉ Ariel Gonzalez Levaggi, analista político da Universidade de Koç, em Istambul.84

Decisão arriscada

Desde o ano passado, a Rússia de Vladimir Putin tem dado apoio militar e diplomático ao regime do presidente sírio Bashar al-Assad. Ao mesmo tempo, vinha tentando reconstruir as estremecidas relações com a Turquia. Em novembro de 2015, um avião russo foi abatido ao invadir o espaço aéreo turco enquanto participava de uma missão na Síria. O assassinato do embaixador Karlov ocorreu na véspera de uma reunião de diplomatas em Moscou para discutir os rumos do conflito após a tomada de Alepo. “Não acredito que chegariam a um acordo duradouro, mas o assassinato é uma forma de impedir a aproximação entre Rússia, Turquia e Irã para discutir assuntos chaves para a Síria”, diz Victor Jeifets, professor da Universidade de São Petersburgo e da Academia de Ciências Russas. Para o analista Ariel Levaggi, a execução foi motivada pelo envolvimento militar da Rússia com o regime de Bashar al-Assad. “Putin tomou uma decisão arriscada com consequências que deveriam ter sido previstas”, diz Levaggi.

A escolha da capital turca como palco do assassinato não foi aleatória. Com o apoio dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, a Turquia incentivou grupos rebeldes de resistência sunita contra o regime sírio. Em 2011, as primeiras reuniões do Conselho Nacional Sírio, organização de oposição, ocorreram na Turquia e tiveram aval do governo. “Agora a Turquia quer aumentar sua influência na região e deseja consolidar o prestígio usando a guerra na Síria como um dos meios para isso”, diz Jeifets. O presidente da Turquia atribui a autoria do ataque ao religioso turco Fethullah Güllen, que desde 1999 vive exilado nos Estados Unidos. Considerado responsável pelo golpe de Estado frustrado em 15 de julho, ele é o inimigo número 1 do governo turco. O clérigo e seu irmão também são acusados de pertencer à FETO, uma organização armada terrorista.

PROXIMIDADE Bashar al-Assad (à esq.) e Putin: apoio militar e diplomático
PROXIMIDADE Bashar al-Assad (à esq.) e Putin: apoio militar e diplomático

Outro elemento que pode tornar ainda mais perigoso o realinhamento das potências envolvidas na guerra da Síria são as diretrizes políticas de Donald Trump, o presidente eleito dos EUA. Suspeita-se que o republicano tenha contado com a ajuda de hackers russos para vencer as eleições. Trump deixou explícita sua aproximação com Putin ao anunciar para o posto de secretário de Estado o empresário Rex Tillrson, CEO da petrolífera ExxonMobil, empresa com fortes interesses no mercado russo. “Uma aproximação efetiva entre Estados Unidos e Rússia teria um efeito devastador para as aspirações de grupos de rebeldes interessados em derrubar o regime de Assad”, diz Levaggi. Porém, se os Estados Unidos optarem por uma posição mais ofensiva, afirma o analista, a guerra civil na Síria seguirá o mesmo caminho do conflito no Líbano, que durou 15 anos.

“O assassinato é uma forma de impedir a aproximação entre Rússia, Turquia e Irã para discutir assuntos chaves para a Síria”
Victor Jeifets, professor da Universidade de São Petersburgo 

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