Escola sem merenda, hospital sem remédio, universidade com serviços claudicantes de limpeza e segurança, delegacia vivendo à custa de doações de papel e de tinta para impressora. Os impactos sociais do colapso financeiro do Estado do Rio vêm sendo sentidos desde o ano passado pela população, que teme agora por 2017.
“Tem dia em que você está na fila da merenda e falam: ‘acabou!’. Aí tenho de comprar quentinha, que custa R$ 10. Não sei onde vamos chegar desse jeito”, lamentou Laura Vitória Fraga dos Santos, de 16 anos, aluna do 1º ano do ensino médio do Colégio Estadual Julia Kubitschek, no centro do Rio.
“Na minha escola antiga, o almoço eram três biscoitos de água e sal, e nem tinha para todo mundo. Pedi transferência por causa disso, mas agora nem sei se continuo aqui ano que vem”, disse Laura, que está na nova escola há quatro meses e ainda não recebeu os livros. Quando tem prova, precisa fotografar as páginas dos livros dos colegas para poder estudar. O cartão de transporte, que permite que ela ande gratuitamente no ônibus para ir à aula, tampouco lhe foi entregue. “O que dizer de um Estado que não dá merenda nem transporte para os estudantes? É o fundo do poço”, criticou o pai dela, o aposentado Laurinésio dos Santos, de 71 anos.
Cerca de 70 escolas estaduais foram ocupadas por alunos por dois meses, entre março e maio, em apoio à greve dos professores e como forma de pressionar o governo pelo aprimoramento das condições de ensino. Na ocasião, os estudantes denunciaram infraestrutura precária de escolas, falta de livros e apostilas, de climatização das salas e de passe livre nos meios de transporte. As ocupações acabaram sufocadas pelo governo do Estado, mas a situação não melhorou.
Com serviços de limpeza e segurança sendo pagos com atraso, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) também é cenário da crise, e chegou a adiar provas de seu vestibular 2017. Os banheiros são insalubres, laboratórios da área biomédica carecem de insumos. Bolsas destinadas ao custeio de estudantes cotistas, usados para transporte, alimentação e xerox de material de estudo sofreram atrasos.
No setor da saúde, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) decretou estado de emergência há onze meses, como forma de acelerar repasses do governo federal. Hospitais de urgência e emergência convivem desde então com a falta de itens como gaze, prótese e esparadrapo. O atraso nos repasses para fornecedores levou à redução no efetivo de profissionais de limpeza e na alimentação destinada a pacientes internados.
Os casos mais graves foram verificados no Albert Schweitzer, em Realengo, na zona oeste no Rio, o Getúlio Vargas, na Penha, na zona norte, e no Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, justamente as unidades de referência em suas regiões. No Rocha Faria, em Campo Grande, na zona oeste, até acúmulo de sacos de lixo nos corredores se viu. Familiares de pacientes se mobilizaram para fazer faxina.
Geridas por organizações sociais (privadas, que recebem dinheiro público), as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) também foram sacrificadas, e chegaram a recusar pacientes. Com salários atrasados, parte dos funcionários vem limitando o horário de trabalho. Nesta terça-feira, a cuidadora de idosos Maria do Socorro Araújo, de 43 anos, reclamava de dor em frente à UPA de Botafogo, na zona sul.
“Cheguei com muita dor pélvica, a médica me olhou e me deu uma receita para comprar remédio na farmácia. A UPA tinha de fornecer. Não tenho plano de saúde nem dinheiro sobrando. Moro na Baixada Fluminense e lá ainda está muito pior”, afirmou.
Sua prima, a diarista Ineide Araújo, de 42 anos, chamou a situação de “filme de terror”. “Vimos uma moça com hemorragia saindo daqui aos prantos, se esvaindo em sangue. É uma situação revoltante, e o pior é que eu acho que é só o começo”, disse.
A penúria nas polícias Militar e Civil se traduz no racionamento de combustíveis das patrulhas, que resulta na diminuição do patrulhamento, e na falta de insumos básicos para registro de ocorrências.
Na delegacia do Catete, na zona sul, a solução veio de moradores. A professora aposentada Maria Thereza Sombra, de 72 anos, presidente de uma associação que abrange 6 mil moradores, mobilizou os vizinhos para conseguir material para a unidade: compraram papel A4, toner para impressora, grampeador, papel higiênico, e os policiais foram buscar. “Eu me sinto na obrigação de ajudar”, contou. Um outro morador, que tem uma empresa de segurança, mandou instalar câmeras na delegacia, que já foi assaltada uma vez. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.