Cientistas conseguiram pela primeira vez fazer nascer um rato através de uma célula que não era um óvulo injetada com esperma, um método que abre novas perspectivas para a reprodução assistida em humanos, segundo um estudo publicado nesta terça-feira na revista científica Nature Communications.

“Pensava-se que só um óvulo era capaz de reprogramar o esperma para permitir que o desenvolvimento embrionário aconteça. Nosso trabalho desafia esse dogma”, disse o autor principal do artigo, Tony Perry, da Universidade de Bath.

Existem dois tipos de células: as células reprodutivas meióticas (óvulos e espermatozoides) e as células mitóticas, que incluem a maioria dos tecidos e órgãos dos nossos corpos.

A reprodução de um mamífero requer a fusão de um espermatozoide e um óvulo, criando um embrião.

Mas, em vez de usar um óvulo meiótico para produzir os filhotes de rato, os pesquisadores usaram um tipo de célula mitótica chamada de parthenogenote.

O “embrião” foi formado sem fertilização, ao estimular quimicamente um óvulo para que este inicie o processo de divisão celular.

Pouco antes de se dividirem em duas células, as parthenogenotes foram injetadas com núcleos de esperma para fertilizá-las.

Os pesquisadores conseguiram fazer nascer ratos em 24% dos casos.

Esses pequenos ratos se tornaram adultos férteis, saudáveis e com uma expectativa de vida normal, destacou Perry em uma coletiva de imprensa em Londres.

Segundo vários especialistas entrevistados, essa pesquisa, que ajuda a compreender melhor os mecanismos de reprodução dos mamíferos, abre novas perspectivas em matéria de reprodução assistida.

Os autores, da Universidade de Bath (Grã-Bretanha) e de Regensburg (Alemanha), consideram possível inclusive que algum dia se possa prescindir dos óvulos para a reprodução.

Embora, por enquanto, se tenha que partir de um ovócito para fabricar as parthenogenotes, os resultados sugerem que outros tipos de células mitóticas, como células da pele, poderão um dia ser usadas para criar descendentes, disse Perry.

Isso poderia abrir a possibilidade para homens homossexuais, mulheres mais velhas ou casais inférteis terem filhos com o DNA de ambos os pais.

“Imagine se qualquer célula mitótica pudesse reprogramar um espermatozoide. Então, não haveria a necessidade de óvulos”, disse Perry à AFP. “Isso pode revolucionar a reprodução”.

“É um artigo muito interessante e uma proeza técnica”, comentou Robin Lovell-Badge, biólogo britânico especializado em genética de células-tronco, que não participou do estudo.

“Tenho certeza de que isso vai nos dizer algo importante sobre a reprogramação nas etapas iniciais de desenvolvimento, que são relevantes tanto para a fertilização como para a SCNT (clonagem)”, disse o biólogo, do Francis Crick Institute, em Londres.

O estudo conseguiu demonstrar que a ativação do genoma paterno contido no sêmen, que desencadeia a formação do embrião, “pode ser feita em um estado mais tardio do que o previsto inicialmente, não só no ovócito”, observa Marie-Hélène Verlhac, pesquisadora francesa do instituto de pesquisa CNRS.

“Então podemos imaginar usar as parthenogenotes” no tratamento de fertilidade humana no futuro, reduzindo a dependência de óvulos que são notoriamente difíceis de coletar, acrescentou.