Uma cena já se tornou comum em vários museus e centros culturais do País: do lado de fora dessas instituições, centenas ou até milhares de pessoas se aglomeram em enormes e demoradas filas para ter a chance de visitar exibições de arte. Esse fenômeno, que até alguns anos atrás se restringia às exposições de grandes mestres como Auguste Rodin e os Renascentistas, hoje se tornou padrão até em mostras de artistas menos conhecidos. Uma das exposições mais visitadas do Brasil em 2014 foi a da artista plástica japonesa Yayoi Kusama que, mesmo não sendo muito popular por aqui, atraiu mais de 750 mil pessoas somente ao Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro – em São Paulo, outros 522 mil visitantes foram conferir suas obras de perto. Vistas por mais de 300 mil pessoas no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, as esculturas hiper-realistas do australiano Ron Mueck, também pouco conhecido no País, atualmente geram longas filas em torno da Pinacoteca do Estado de São Paulo. A procura expressiva pela arte desses e de outros artistas menos famosos pode ser explicada por dois fatores: obras interativas ou imersivas e o uso cada vez maior das redes sociais, que garantiram recordes de visitação para as exposições em 2014 e caracterizam uma nova forma de o brasileiro consumir arte.

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Visitantes tiram selfies junto às obras de Ron Mueck,
na Pinacoteca de São Paulo, e postam nas redes sociais

A demanda crescente do público por exposições no Brasil mostrou seu potencial e atingiu dimensões de fenômeno cultural em 2011, quando a mostra “O Mundo Mágico de Escher”, dedicada ao ilustrador holandês M.C. Escher, levou mais de 670 mil pessoas ao CCBB Rio. O diferencial daquela exibição foi oferecer aos visitantes um ambiente onde eles pudessem “entrar” e se fotografar em uma obra do artista, o que gerou muita repercussão nas redes sociais e, por consequência, mais interesse pela exposição. “Tanto na mostra do Escher quanto na da Yayoi Kusama, muitas pessoas na fila nem sabiam quem era o artista”, diz Pieter Tjabbes, sócio diretor da produtora ArtUnlimited, responsável pela montagem de várias exibições de sucesso. “Mas não acho que isso seja uma coisa ruim. O brasileiro gosta de poder se fotografar em uma exposição e já percebeu que não precisa ser entendedor de arte para apreciá-la”, diz.

O sucesso de público das mostras recentes no País e a preferência dos brasileiros por obras imersivas e interativas acabou alterando também a forma como as exposições internacionais chegam ao Brasil. “Antes as exibições vinham prontas de fora e o público brasileiro via uma mostra da mesma forma que ela havia sido apresentada na França ou em Londres, por exemplo”, diz Marcelo Mendonça, gerente geral do CCBB Rio. Hoje, segundo Mendonça, o comportamento do público brasileiro dita a expografia das exibições. “A sala dos espelhos na exposição do Salvador Dali, onde os visitantes podem se fotografar, foi um pedido nosso, pois sabemos que os brasileiros gostam de interagir com as obras de arte”, diz. A mostra do mestre do surrealismo foi vista por 978 mil pessoas durante os três meses em que esteve em cartaz no CCBB Rio, quebrando todos os recordes de visitação do centro cultural carioca, e atualmente está no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. A capital paulista também sedia a exposição “Leonardo da Vinci, a Natureza da Invenção”, cujos inventos, que podem ser manipulados e testados pelo público, já atraíram mais de 39 mil pessoas ao Centro Cultural Fiesp desde a inauguração da mostra, em 11 de novembro.

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INTERAÇÃO
Público testa os experimentos de Leonardo da Vinci, no Centro Cultural Fiesp

Enquanto a procura pelas exposições temporárias explode no País, museus tradicionais, como o Museu de Arte de São Paulo (Masp), cuja média anual de visitantes atinge 800 mil pessoas, têm de enfrentar o desafio de angariar mais público utilizando como atrativo seus próprios acervos. Depois de sanar uma dívida tributária e trabalhista que somava R$ 12 milhões, o museu planeja para 2015 uma série de mostras que devem explorar as peças menos conhecidas ou divulgadas de seu rico acervo, de oito mil itens. “Nosso desejo é que o público volte a conviver com o acervo e com o prédio do Masp de uma forma mais abrangente.Por isso vamos retomar também os cavaletes do projeto original de Lina Bo Bardi”, diz Heitor Martins, novo presidente do museu paulista. Sobre o número de visitantes da instituição, Martins admite que “gostaria que ele fosse maior”, em consonância com o tamanho e a importância do museu. “Mas não dá para comparar a visitação de uma mostra temporária e inédita no País com a procura pelo acervo de museus tradicionais”, diz.

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Foto: Karime Xavier/Folhapress, Kevin David/Brazil Photo Press