Cindy Sherman/ Museum of Modern Art (MoMA), Nova York/ até 11/6

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A ARTISTA COMO MODELO
O padrão de beleza feminino é questionado em série de auto-retratos
em que Cindy Sherman representa a alta sociedade americana

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A identidade é um artifício que tem a fotografia como principal cúmplice. Estamos no mundo de Cindy Sherman, uma das artistas mais influentes de seu tempo. E, por isso mesmo, um dos poucos nomes que já tiveram a honra de ganhar, ainda em vida, uma retrospectiva na meca da arte moderna: o MoMA de Nova York. A exposição cobre a carreira da artista desde os clássicos “Untitled Film Stills”, dos anos 1970, até as obras fotográficas em formato de mural a que ela tem se dedicado desde 2010 – e que expõe pela primeira vez nos EUA nesta mostra. São 171 obras-chave para compreender sua produção.

Nestes 35 anos de carreira, Cindy Sherman flertou com o cinema, as revistas femininas, a moda, a publicidade, a psicanálise e a história da arte, mas sua maior contribuição foi protagonizar, junto de nomes como Richard Prince, Sherrie Levine e Louise Lawler, a conquista de um espaço nobre para a fotografia no cânone da arte contemporânea. Antes desse grupo de artistas que se estabeleceu nos anos 1980, a fotografia era considerada uma arte menor. Hoje, se um jovem artista trabalhando com o suporte fotográfico ganha reconhecimento e tem suas obras absorvidas pelo conservador mercado de arte, é em grande parte graças a Cindy Sherman e seus colegas da Pictures Generation (Geração Fotografia) – termo cunhado pelo crítico Douglas Crimp, em 1977.

É interessante confrontar os “Untitled Film Stills” (1977-1980), em que a artista encenava cenas de suspense ou romance cinematográfico em fotos preto e branco de dimensões modestas e efeito reticulado, com os portraits de socialites de 2008, em que senhoras de alto poder aquisitivo – o que se depreende de suas roupas sofisticadas e dos ambientes luxuosos em que são retratadas – posam para fotos de grandes dimensões que revelam em detalhe suas rugas e cirurgias estéticas. Ambas as séries são protagonizadas pela própria artista (Sherman é famosa por trabalhar sem modelo nem assistentes) e nenhuma é menos construída do que a outra. A obra da artista, aliás, é um manifesto sobre como toda fotografia é sempre fabricada. Mas o campo da ficção que cada série referencia difere radicalmente. A foto de cinema tem como motor a construção hollywoodiana da imagem feminina, ou seja, o estereótipo de mulher criado pelos filmes, a publicidade e as revistas eróticas. Já os retratos de 2008 se fundamentam na fabricação particular de uma identidade artificial pelas mulheres mais velhas, aquelas que já abandonaram a indústria dos tipos femininos para consumo.

É perturbador observar como as fotografias de socialites escancaram a busca inglória pela eterna juventude e pelo glamour algo decadente de uma realidade social igualmente efêmera. São retratos patéticos e, por isso mesmo, mais humanos, quase reais. Ao longo de sua trajetória, a artista teve sua obra cooptada por todas as teorias correntes, do pós-modernismo ao pós-estruturalismo, passando pelos discursos feministas e psicanalíticos. A psicanálise tem novamente nestas obras recentes um prato cheio para refletir sobre o que é ser uma mulher no século XXI.