LAR Chácara onde o presidente cresceu e se hospeda quando vai à cidade
LAR Chácara onde o presidente cresceu e se hospeda quando vai à cidade (Crédito:Frederic Jean/Ag. ISTOÉ)

A rotina da pequena Tietê, no interior de São Paulo, foi completamente alterada nos últimos dias. A bucólica cidade de 40 mil habitantes, que tem como principal cartão postal uma bem cuidada praça com direito a coreto e igreja matriz,  amanheceu invadida por repórteres e cinegrafistas na quinta-feira 12, quando se tornou a terra natal do presidente da República em exercício. “Hoje estamos metidos”, brincou uma comerciante, que tentava se esquivar de dar entrevistas, enquanto andava pelas arborizadas ruas do município.  A euforia era latente nos rostos dos moradores locais, que se reuniam em grupos de três, no máximo de quatro pessoas para comentar a sorte de seu filho mais ilustre, Michel Temer, alçado ao posto mais alto do Executivo naquele dia. Não houve fogos de artifícios, nem gritos de comemoração. Assim como o conterrâneo político, os tieteenses preferiram a discrição.  Nem festa estava programada. Direto do Palácio do Jaburu, em Brasília, e portanto pertinho de Temer, o prefeito de Tietê, Manoel David, disse à ISTOÉ que não haveria celebração neste primeiro momento porque preferia esperar o fim do processo de impeachment. “O presidente é discreto e eu acho que ele não ficaria confortável.” Temer também garantiu a David que Tietê será o primeiro local que ele irá visitar passado este período. “Ele disse que espera que a cidade reconheça o prestígio que ele tem. Hoje o Michel superou as votações ruins do passado.”

O peemedebista (à dir.) ao lado dos irmão
O peemedebista (à dir.) ao lado dos irmão (Crédito:Reprodução)

A fala do prefeito revela uma relação conflituosa entre o político peemedebista e sua terra natal, que caminhou para a reconciliação com a eleição do próprio David, há quatro anos, e se consolidou com o fim da aliança com Dilma Rousseff. O presidente em exercício já teve a garantia dos votos de mais de metade dos eleitores do município, mas perdeu espaço ao longo dos anos. Nas ruas de Tietê, o clima é de esperança – a maioria das pessoas ouvidas por ISTOÉ acha que Temer beneficiará sua cidade. Os moradores guardam, porém, uma ponta de desconfiança pelos tempos passados. Os números refletem esse receio. Em 1998, 60% dos tieteenses escolheram o nome de Temer para deputado federal. O percentual foi caindo até que, em 2006, sua última eleição como parlamentar, a base no município havia descido pela metade: 3.627 votos. Concorrendo como vice de Dilma, seus aliados em Tietê buscaram desvincular a imagem de Temer da do PT. Folhetos eram da cor azul do adversário e escondiam o nome da petista. Mesmo assim, não surtiu efeito. Em 2014, foram somente 3.320 sufrágios no primeiro turno. No segundo, 81% da cidade preferiu Aécio Neves (PSDB). O taxista Carlos Alberto Camargo, por exemplo, ajudou a eleger o peemedebista mais de uma vez, mas deixou de votar nele após a aliança com Dilma, em 2010. “Agora poderá haver uma oportunidade de reecontro”, diz.

Tudo mudou desde a votação no Senado na quinta-feira 12 e, se duas palavras pudessem definir a maioria dos moradores de Tietê atualmente, elas seriam reconciliação e orgulho. Aqueles que conhecem o conterrâneo famoso agora andam com suas lembranças nos bolsos, como se exibissem souvernirs. São fotos, cartas e até diploma da faculdade de direito da vizinha Itu com a assinatura de Temer (ele foi professor da instituição). Neste reencontro com a terra natal, também as divergências políticas estão sendo superadas. Mesmo vereadores contrários ao grupo de Temer não se colocam contra ele. Afinal, quem faz cálculo eleitoral na cidade neste momento sabe: é melhor estar ao lado do peemedebista do que contra ele.

O político de 75 anos deixou familiares e amigos em em Tietê e frequentemente viaja para lá a fim de encontrá-los. Desde que assumiu como vice, vai acompanhado de um séquito de seguranças. Antes disso, era comum que dirigisse o próprio carro desde São Paulo, pelas rodovias Castello Branco e Marechal Rondon. Com uma mal disfarçada satisfação no canto da boca, a sobrinha Cleusa Tamer (assim, com ‘a’, por um erro de registro, ela conta) discorre sobre a história da família, despejando documentos antigos sobre a mesa de vidro da sala de jantar. Foi incumbida pelo tio de preservar a memória dos Temer num museu na chácara da família, ao lado do bem-conservado portal de entrada do município. É lá que ele fica quando vai à cidade. Nas idas ao interior, com os seus, afirma Cleusa, Michel se solta e fuma charuto, mostrando o lado mais despojado.

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Crédito: Frederic Jean/Ag. ISTOÉ

Os pais saíram do Líbano em 1925, Temer nasceu em Tietê em 1940. É lembrado como um menino quieto, que se sentava nas primeiras carteiras, apesar de as notas não se destacarem. Na infância, devorava livros de aventura, como “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift, e “Moby Dick”, de Herman Melville, em cima de um pé de caqui. Essas memórias são carinhosamente ordenadas por James Milanelo, 75 anos, amigo dos tempos de escola, que guarda com orgulho um exemplar de “Os Canibais do Pacífico”, de Emilio Salgari, dado por Temer como presente de 13 anos (com direito a dedicatória). O peemedebista deixou a cidade no fim da adolescência, sem nunca ter sido vereador ou prefeito em Tietê. Talvez por isso ele não tenha criado tanta intimidade com a política local, apostam alguns. “Mesmo o PMDB era panelinha, não souberam aproveitar o Michel”, diz Antonio Viotto, o “Fra-Fra”, vice-prefeito e único membro da sigla na atual administração. Mas a situação mudou quando, em 2012, Temer se aproximou do jovem vereador Manoel David e o ajudou a se eleger prefeito pelo PSD, com Viotto a seu lado. “Assumi o compromisso de quebrar o paradigma de que ele nunca havia feito nada pela cidade”, afirma David. “Agora com ele presidente vamos conseguir trazer benefícios, mesmo porque todo mundo vai querer agradá-lo. Nada melhor do que colaborar com a sua cidade natal.” Pelo animado burburinho nos arredores da praça central, os tieteenses concordam com ele.

https://istoe.com.br/galeria/temer-e-o-reencontro-com-terra-natal/