Duas novidades recentes pavimentam um caminho que parece sem volta em direção à redenção da gordura. Durante décadas, o nutriente, encontrado em queijos, ovos e óleos, por exemplo, foi demonizado por boa parte da ciência, médicos e nutricionistas. Seu consumo estava associado ao aumento do risco de morte, especialmente as provocadas pelo infarto e acidente vascular cerebral. Por via das dúvidas, era desaconselhado. Mas um conjunto cada vez mais robusto de evidências científicas mostra que a verdade aproxima-se do contrário. Incluir mais gordura no cardápio pode levar a uma vida longeva e saudável.

Na semana passada, a apresentação dos resultados de uma pesquisa sobre o assunto fortaleceu a teoria. Coordenado por cientistas da McMaster University, no Canadá, e publicado na periódico acadêmico The Lancet, o estudo revelou que quem ingere mais gordura e menos carboidrato tem risco menor de morte. É um dos maiores levantamentos na área. Foram seguidos cerca de 135 mil pacientes, de dezoito países, acompanhados por mais de sete anos. Nesse período, os indivíduos adeptos de dietas nas quais 35% das calorias ingeridas diariamente advinham de gordura manifestavam chance menor de morrer em comparação a aqueles em cujos cardápios 60% das calorias eram obtidas de carboidratos como pães, massas e pizzas. “Esses dados contrariam as diretrizes atuais limitando a 30% o total de gordura consumido por dia”, disse à ISTOÉ Mahshid Denghan, líder do estudo. ”Sugerimos a mudança nas orientações.”

O resultado foi recebido com um misto de surpresa e inquietação. Afinal, como mostra a jornalista americana Nina Teicholz em seu livro recém-lançado no Brasil, “Gordura sem Medo”, perdura em parte do meio científico a resistência em acreditar que a ingestão de alimentos gordurosos não faz tão mal quanto se acreditava. Defensores desse conceito, entre eles o cardiologista Robert Atkins, pai da famosa Dieta Atkins, penou entre seus pares por conta do preconceito em relação à proposta.

Nina, que também estudou biologia, pontua no livro as principais conclusões que inocentam a gordura – seu consumo moderado, registre-se. “Os primeiros estudos que condenaram a gordura saturada foram malfeitos; os dados epidemiológicos não evidenciam nenhum correlação negativa; o efeito da gordura saturada sobre o colesterol LDL (o ruim) é neutro; e um número significativo de estudos clínicos feitos nos últimos dez anos demonstra a ausência de quaisquer efeitos negativos da gordura saturada sobre as cardiopatias, a obesidade e a diabetes”, escreve. Entre os tipos de gordura, a saturada – presente em ovos e laticínios – era considerada a mais nociva.

CARDÁPIO Mahsid (no centro), do Canadá, defende mudança na quantidade ingerida do nutriente (Crédito:Divulgação)

PICO DE INSULINA

Uma das explicações para conclusões como essas é a de que, como apontam investigações recentes, a insistência em reduzir o consumo de gordura faz com que as pessoas aumentem a ingestão de carboidratos, esses sim envolvidos no desencadeamento de doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos que podem levar, por exemplo, à diabetes. “O alto consumo de carboidratos obriga a maior produção de insulina”, explica o médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia. Fabricado no pâncreas, o hormônio permite a entrada, nas células, da glicose circulante no sangue. Se deixar de ser produzido ou não funcionar adequadamente, o açúcar se acumula na corrente sanguínea, caracterizando a diabetes. “O problema é que, se for muito exigido, o pâncreas pode cansar”, diz. Massas, pães e doces também engordam, enquanto a gordura poderia ter o efeito contrário. “Ela eleva a saciedade”, afirma Rodrigo Polesso, especialista em nutrição. Na fórmula de Mahshid Denghan, do Canadá, o ideal é equilibrar as proporções de consumo dos nutrientes. “É o melhor a fazer.”