São muitos os filhos de Mama. Na Praça da República, centro da capital paulista, é difícil conseguir a atenção da senegalesa Diamon Fallou Diop, 57 anos de vida e 10 de São Paulo. Ela é a “mãe” dos imigrantes do Senegal e de outros países de dialetos derivados do francês que vendem roupas na região.

Durante uma hora de trabalho, Mama se divide entre responder às perguntas do Estado, receber a clientela na banca e exercer o papel de líder do espaço. Atende ligações, responde mensagens no Whatsapp, acessa o Facebook, dá aperto de mão, conversa, abraça, recebe dinheiro, troca dinheiro, faz piada e dá conselhos. Ela assume para si o pioneirismo da venda de estampas africanas na praça.

A senegalesa assumiu o nome artístico de Soda Diop há oito anos, após se tornar conhecida no mundo de produtores, estilistas e costureiros por vender tecidos, turbantes, calças, camisas e vestidos com tecido africano. Passou a expor em feiras de moda, dentro e fora de São Paulo. Entre seus clientes estão as cantoras Liniker e Elza Soares.

A clientela deve aumentar nos próximos meses. Ela é um dos 115 imigrantes que ganharam perfil na plataforma Conectados, lançada no início de março. Criada para ser uma vitrine cultural, o site apresenta serviços e produtos oferecidos por refugiados e imigrantes em São Paulo. São pessoas que vêm de países com situação de vulnerabilidade social, econômica, política ou ambiental. Até ontem eram expostos 170 produtos e serviços de 19 países nas áreas de culinária, aulas, artesanato, pintura, música, moda e palestras.

“Muitos de nós somos habilidosos e qualificados, com famílias para sustentar, mas estamos desempregados ou em trabalhos abaixo de nossas capacidades. Apresentando nossos perfis, o site dá a oportunidade de alcançar um grande mercado e aumentar as chances de expandir nossos negócios”, diz a guianense Renee Ross Londja, de 45 anos, que vende bonecas africanas na plataforma.

No Brasil há seis anos, Renee veio ao País encontrar o marido, refugiado congolês. Os dois moraram em Manaus até o fim de 2015, quando decidiram vir a São Paulo em busca de mais oportunidades de emprego. “Algumas pessoas expressaram abertamente sua frustração porque sentiram que os imigrantes estavam tirando seus empregos”, explica a guianense.

Ele, que trabalhava como geólogo no Congo, hoje dá aulas de francês e inglês. Renee, gerente de restaurante e pequena empresária no ramo de decorações para casamento, agora costura e vende bonecas negras. O ofício começou como hobby. “Comecei a focar em criar bonecas negras para mostrar a beleza do povo negro. Também descobri que não eram muitos os que vendiam bonecas negras, então decidi aproveitar.”

Professora de inglês para crianças em Aleppo, a síria Razan Suliman, de 26 anos, também precisou se reinventar no Brasil para garantir o sustento. “Vendi água na rua com o meu marido. Depois, ele trabalhou com salgados, fazendo pintura de carro, vendendo celular e, agora, comida árabe. Passamos tempos difíceis. Agora, quero ajudá-lo a conseguir fazer uma vida aqui, igual a todos.”

As dificuldades já foram piores para Razan, que só abandonou o país três anos após o início da guerra. “Vi muitos morrerem. Pessoas me bateram. Onde morávamos, não há paz. A toda hora há bombas e prédios caem. Comecei a passar mal. Até hoje, tenho pressão baixa”, lembra. “Só o Brasil aceita a gente. Tenho visto para a França, mas o país não nos quer.”

Edital

Paola Caiuby, idealizadora do projeto, venceu um edital da Prefeitura de São Paulo. “Quando tive contato com refugiados em eventos e projetos, vi que eram pessoas com muita riqueza cultural a oferecer. A plataforma surgiu como forma de mostrar esse trabalho, de servir como vitrine cultural.”

Foram seis meses de trabalho para mapear os locais de morada e atuação dos imigrantes e, em seguida, localizá-los. Com apoio de R$ 27 mil do edital, uma equipe de 12 pessoas ajudou a selecionar 15 pontos da cidade, concentrados no centro, onde circula a maioria dos refugiados e estrangeiros. “Fomos atrás deles, explicamos a ideia e criamos um lugar para reuni-los”, diz Paola.

Iniciativas dos próprios imigrantes também foram desenvolvidas para melhorar a situação do grupo. Em 2013, quatro meses após chegar em São Paulo, o refugiado político do Congo Georges Edgard Walukonka, de 29 anos, trabalhou em um centro de distribuição, onde, com outras 24 pessoas, conta ter vivivdo em regime análogo à escravidão. Ele passou a estudar os direitos dos imigrantes e criou uma ONG de apoio aos estrangeiros. “Hoje sei dos meus direitos e trabalho para conscientizar outros imigrantes sobre os direitos deles.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.