O estatuto da Rede Sustentabilidade é a expressão do desejo acalentado pelo partido em encarnar uma espécie de nova política. No mundo ideal descrito pelo documento da Rede, as decisões são horizontais e os anseios da militância preservados. Em cada tópico, a legenda se comporta como se tivesse ojeriza às alianças partidárias tradicionais, o que seria louvável levando-se em conta que hoje as parcerias são norteadas quase sempre por oportunismos eleitorais em detrimento dos aspectos programáticos. O artigo 104 do documento, por exemplo, veda qualquer realização de atividades de campanha eleitoral ou peças publicitárias com candidatos de outros partidos sem que antes seja submetida à aprovação durante convenção. Nem as chamadas dobradinhas políticas – quando esse apoio a candidatos da Rede ocorre de forma extraoficial – são permitidas de acordo com o manual de conduta do partido de Marina Silva, candidata declarada à presidência da República.

O estatuto que rege e orienta os 20 mil filiados da Rede, no entanto, não resiste às tentações da velha política que suas letras frias condenam. Não foi suficiente, por exemplo, para poupar a agremiação de parcerias consideradas constrangedoras para parte de seus militantes. É o que o acontece em ao menos duas capitais brasileiras e na cidade de Guarulhos (SP), importante colégio eleitoral, onde o partido disputará eleição de prefeito com a polêmica aliança entre Rede e PSC, partido de Jair Bolsonaro e de Marco Feliciano.

Carta contendo críticas à parceria com o PSC foi assinada por cem
filiados
à Rede, segundo o coordenador de ativismo, Rafael Lira

O mais insensato desta união é que no Senado a Rede é representada por Randolfe Rodrigues, que tem um histórico de desavenças com Jair Bolsonaro, convertido ao PSC. A parceria entre as duas legendas será reproduzida também no pleito pelo comando de Macapá, capital do estado do Amapá. Candidato à reeleição, o prefeito Clécio Luís (Rede) já até posou sorrindo e de ombro colado ao do deputado estadual Pedro da Lua (PSC). Conhecido por sua atuação nada ortodoxa, Da Lua acaba de ser absolvido pelo Tribunal de Justiça do Amapá do crime de difamação por ter chamado o senador João Capiberibe (PSB) de “cramulhão”, em uma entrevista a uma rádio local. Capi, como é conhecido, é amigo de Marina Silva. Os apoios devem ser confirmados em convenção nesta sexta 5. Em Curitiba, a Rede discute se lança uma chapa com o PMDB para concorrer à Prefeitura da capital paranaense.

A Rede se associou ao PSC de Bolsonaro para lançar a pré-candidatura de Gustavo Guti (PSB) à prefeitura de Guarulhos (SP). Nos últimos dias, a juventude da Rede mandou à direção do partido uma nota de repúdio à aliança. A carta informa que a parceria coloca que em xeque os valores da legenda. Segundo o coordenador de Ativismo e Movimentos Sociais da Rede em São Paulo, Rafael Lira, o documento  foi assinado por mais de cem filiados “Tem uma incompatibilidade enorme”. Lira aposta que Marina “jamais” topará divir palanque com o Bolsonaro. O histórico de incoerências da principal expressão nacional da Rede, no entanto, recomenda cautela às assertivas.