A redução na taxa de inflação – o que no jargão econômico é chamado de “desinflação” -, verificada inicialmente nos alimentos, já se espalhou por diversos outros preços, incluindo o setor de serviços, que vinha sustentando a alta inflacionária. A constatação, feita pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, deve ser reforçada sexta-feira, 10, na divulgação do índice oficial de acompanhamento de preços, o IPCA.

Pelas perspectivas do mercado financeiro, a taxa pode puxar a inflação acumulada em 12 meses para menos de 5%, o que não ocorre há mais de quatro anos, e reforçar as previsões para uma convergência ao centro da meta, de 4,5%, ao fim do ano.

O quanto isso pesará no ciclo de queda de juros, iniciado pelo BC em outubro e mantido nas últimas quatro reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), ainda é indefinido. Em entrevista ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, Ilan deixa a porta aberta para acelerar o ritmo de queda da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 12,25% ao ano, após duas reduções de 0,75 ponto porcentual. Cortes nessa proporção não ocorriam desde o início de 2012.

Ele não se compromete com cortes no mesmo nível, mas argumenta que a inflação é apenas um dos fatores sob avaliação do BC. “Obviamente, vamos levar em consideração na nossa política qualquer impacto dos alimentos no resto dos preços. A inflação tem sido menor tanto pelos alimentos quanto pelo resto do índice”, diz. Mais à frente, o economista, que antes de assumir a presidência do BC chefiava a área econômica do Itaú, deixa em aberto todas as alternativas para os juros: “Pode ser repetido (o corte de 0,75 ponto porcentual), pode ser mudado, isso vamos avaliar ao longo das próximas semanas.”

Uma decisão, no entanto, Ilan faz questão de frisar: a opção do BC pela transparência, pelos mecanismos que tornem previsíveis ao mercado a direção da política monetária. Ele deixa claro que isso segue a mudança de rumo da política econômica, causadora, no passado recente, diz, da pior crise já vivida pelo País. E critica a intervenção de governos anteriores, que chegaram a congelar preços administrados, como os dos combustíveis.

“Estávamos numa direção de política econômica insustentável. Essa política mudou. Mas gerou consequências que têm custo até agora. Tivemos não só o impacto externo da queda no boom de commodities, mas também políticas econômicas aqui intervencionistas, que geraram muita incerteza. Tivemos fatores não econômicos que também geraram incertezas. Tudo isso levou a uma queda do PIB nos últimos dois anos que vamos reverter daqui para a frente”, afirma.

Ilan Goldfajn reiterou que, na visão do banco, o cenário básico para a política monetária prescreve uma antecipação do ciclo de redução dos juros – ou seja, reduzir a Selic num período menor. Mas ele deixou claro que o banco quer ter a flexibilidade para decidir qual será esse grau de antecipação, “que depende também da nossa visão sobre a extensão do ciclo”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Boa parte da queda da inflação no IPCA veio dos alimentos. Há uma “contaminação” do choque dos alimentos em outros preços?

Estamos num processo de desinflação. Tem a queda dos alimentos, mas há uma desinflação mais difundida. Temos queda na inflação de serviços e de outros componentes. Em relação à inflação dos alimentos, temos dito que vamos considerar a queda, em parte, como um choque positivo, o que significa que, ao mesmo tempo, não vamos combater o impacto primário, a mudança de nível que vem desse choque. Mas, obviamente, vamos levar em consideração na nossa política qualquer impacto dos alimentos no resto dos preços. A inflação tem sido menor tanto pelos alimentos quanto pelo resto do índice.

O PIB negativo de 3,6% em 2016 pode aumentar a pressão que já existe, até em alguns setores do governo, por queda mais acentuada dos juros. O BC reage de que forma a esse resultado e a essa pressão?

Nossa política é técnica. Temos projeções de inflação, expectativas que vêm dos analistas, do mercado. Olhamos os riscos embutidos nas nossas projeções, no cenário, mas também levamos em consideração a atividade econômica tanto como uma base para nossas projeções como também levando em consideração o custo do processo de desinflação. Obviamente que dados de atividade que aconteceram no ano passado são, como já foi dito, como olhar o retrovisor. É importante entendermos porque houve uma queda intensa da atividade. Estávamos numa direção de política econômica insustentável. Essa política mudou. Mas gerou consequências que têm custo até agora. Tivemos não só o impacto externo da queda no boom de commodities, mas também políticas econômicas aqui intervencionistas, que congelaram preços de administrados, que geraram muita incerteza. Tivemos fatores não econômicos que também geraram incertezas. Tudo isso levou a uma queda do PIB nos últimos dois anos que vamos reverter daqui para a frente. Acho que a percepção é de que estamos melhor do que no passado.

As reuniões de diretores com analistas do mercado passaram a impressão que o BC estava tentando corrigir o entendimento na leitura da ata do Copom, especialmente em relação à antecipação do ciclo de política monetária. Quais as condições para essa antecipação?

Uma das partes enfatizadas na ata foi a antecipação do ciclo. E basicamente dizia o seguinte: nossa visão do cenário básico prescreve uma antecipação do ciclo e na verdade a gente reiterou essa prescrição. Ou seja, quando houve uma decisão de aceleração no ritmo no Copom, na reunião anterior, já houve essa ideia de antecipar. O que não significa que vamos manter o mesmo grau de aceleração. Vamos decidir se esse grau pode ser maior ou menor. Esse é o grau de flexibilidade que a gente se permitiu para a frente: qual o grau de antecipação que a gente quer colocar, que depende também da nossa visão sobre a extensão do ciclo. Vamos analisar as duas coisas ao longo do tempo.

Se a reforma da Previdência vier mais fraca do que está propondo o governo, vai deixar o BC mais conservador?

A reforma da Previdência é importante não só para a política monetária, mas para o País. Ela torna o teto de gastos factível no longo prazo, permite ter espaço para vários outros gastos. Então, ela é fundamental. Sob o ponto de vista da política monetária, temos a taxa estrutural, que seria a taxa que os analistas chamam de taxa neutra. Aquela onde você tem uma economia com uma inflação baixa, estável, crescendo de forma sustentada. E essa taxa pode ser maior ou menor. Quanto mais reformas a gente fizer e mais ajustes, menor será essa taxa. E a Previdência é uma reforma importante.

O sr. falou do PIB usando a expressão “olhando no retrovisor”, mas como mostrar, no G-20, que o País saiu da recessão diante dos números que acabaram de ser divulgados?

No G-20 há uma discussão global sobre o que acontece na economia internacional e o impacto que diversas políticas monetárias e fiscais têm no mundo. Não é só uma discussão sobre o Brasil. É claro que, quando tivermos a capacidade e a disponibilidade, o momento de apresentar o Brasil, vamos dizer o que nós temos dito aqui. A política econômica mudou de direção. As reformas estão sendo aprovadas. O risco percebido do Brasil tem diminuído. Temos entradas de investimento direto, indicadores financeiros melhorando. E temos, neste trimestre, indicadores reais que mostram que a economia está se estabilizando. Com isso, se consegue passar a mensagem que há uma confiança na política econômica e que já está começando a gerar resultados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.