Há duas semanas, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, reuniu na cidade litorânea de Cartagena diversos chefes de Estado, como o presidente argentino, Mauricio Macri, e o mexicano, Enrique Peña Nieto, para testemunhar a assinatura de um acordo de paz com os guerrilheiros das Farc, representados por Rodrigo Londoño Echeverri, o “Timochenko”, encerrando assim uma guerra de 52 anos. O simbolismo havia sido preparado com esmero. Todos, inclusive os convidados, vestiam branco. A caneta utilizada pelos líderes de lados opostos era feita da bala de uma arma de fogo. Houve um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do conflito mais longo da história da América Latina, que parecia, enfim, encerrado. No domingo 2, foi a vez de a população ser ouvida e o resultado do plebiscito foi inesperado: 50,2% votaram pela rejeição do acordo.

IMPUNIDADE

A diferença foi muito pequena – 54 mil votos – e a abstenção ultrapassou os 60%, a maior em 22 anos, influenciada por fatores imponderáveis como a passagem do furacão Matthew pelo Caribe. A mensagem da maioria, contudo, não pôde ser ignorada. “Para os colombianos, o acordo era muito generoso, havia uma sensação de que os guerrilheiros não estavam sendo punidos”, disse à ISTOÉ Carlos Caicedo, analista de América Latina da consultoria IHS. O ressentimento alimentado por décadas de extorsões, atentados, sequestros, narcotráfico não permitiu que os ex-soldados das Farc fossem julgados pela chamada “Justiça de Transição” (usada na resolução de conflitos históricos), que os isentaria da pena de prisão. Não permitiu também que eles recebessem um salário mínimo no período de desmobilização e que a guerrilha se transformasse num partido político, com participação garantida no Congresso. “Há, por um lado, dúvidas sobre a credibilidade da deposição das armas e, por outro, o temor de que os ex-guerrilheiros se transformem em agentes políticos muito representativos”, diz Johan Avendaño, especialista em análise de Políticas Públicas da Universidade Nacional da Colômbia.

O analista político Jairo Libreros, professor da Escola de Governo da Universidade Externado de Colômbia, levanta ainda outro ponto de insatisfação. “A gota da paciência foi quando as Farc disseram que não teriam dinheiro para reparar as vítimas, quando todos no país sabemos que elas são um dos cartéis mais poderosos do mundo”, afirma. Foi só na véspera da votação que a guerrilha disse que declararia todos os bens ao governo e os destinaria às indenizações, mas não foi o suficiente para convencer os eleitores. Na conta do ressentimento, também estavam 6,9 milhões de pessoas que tiveram que deixar suas casas por conta da violência do conflito armado, segundo a Agência de Refugiados da Organização das Nações Unidas.

Principal líder da oposição ao acordo, o ex-presidente Álvaro Uribe se reuniu com Santos na quarta-feira 5 para tentar tirar a paz do limbo em que foi colocada. “É melhor uma paz para todos do que um acordo fraco para metade dos cidadãos”, afirmou Uribe. A proposta é que governo, oposição e guerrilha façam agora ajustes no texto que levou quatro anos para ser negociado, parte deles de maneira secreta, em Havana, Cuba. “É lógico que se façam concessões para reintegrar ex-guerrilheiros à sociedade civil e o processo de transição é muito custoso”, diz Caicedo. “Mas precisa ser justo e transparente.”

Os números da guerra
O conflito armado contra as Farc existe há mais de 50 anos

220 mil
Pessoas morreram no conflito, a grande maioria, civis

27 mil
Foram vítimas de sequestros

1,5 mil
Foram vítimas de atentados terroristas, entre mortos e feridos

10 mil
Foram vítimas das minas terrestres depositadas pelos guerrilheiros

1,7 mil
Mulheres sofreram violência sexual

6,9 milhões
De pessoas foram forçadas a deixar suas casas por conta da violência

3,5 mil
Crianças foram recrutadas para combater pela guerrilha

Fotos: Mario Tama/Getty Images/AFP; STR