Semanas atrás os senadores Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e Antonio Anastasia (PSDB-MG) apresentaram uma PEC instituindo o recall em relação ao presidente da República. Recall, para quem não se lembra, é um plebiscito revocatório. Ou seja: uma votação que, em vez de eleger, “deselege” alguém. É um instrumento conhecido nos EUA, onde, porém, só é aplicado a deputados. Como o sistema eleitoral vigente naquele país é o distrital puro – cada distrito elege “seu” deputado –, uma parcela dos votantes de um determinado distrito, insatisfeita com o desempenho dele, pode propor a revogação do mandato. Se for aprovada pela maioria, o representante é perde sua cadeira na House of Representatives.

A proposta apresentada ao nosso Senado nada tem a ver com o plebiscito revocatório americano. Mal comparando, se esse é uma bombinha, a proposta dos dois senadores citados é uma bomba atômica. Imagine-se a sua aplicação na presente conjuntura. O último Datafolha mostrou que a popularidade do presidente Michel Temer anda pela casa dos 7%; uma hora dessas vai alcançar o recorde negativo, pertencente a José Sarney, que bateu nos 5%. Alguém dá inicio à coleta de assinaturas, o pedido de recall é aprovado pelo Congresso e – tibuuuum!!! –, Temer é arremessado a Marte. O impeachment, como sabemos, é o procedimento mediante o qual o Congresso pode determinar o afastamento de um presidente que haja cometido crimes de responsabilidade. O que a proposta dos senadores Valadares e Anastasia pretende é permitir o afastamento de um presidente mesmo que não haja cometido tal crime. Se não tem apoio, não está dando conta do recado – pronto, convoca-se o plebiscito revocatório e ele vai para o olho da rua.

Tal sugestão dá bem a medida do desnorteio. É gasolina no fogo, como se não tivéssemos causas suficientes de instabilidade política.

Valadares e Anastasia são parlamentares muito acima da média, de ótima formação universitária e excelente desempenho político. O que os terá levado a esposar uma ideia tão descabida? A primeira resposta que nos vem à cabeça é o fator Brasília. Naquela solidão lunar, mesmo políticos de primeira linha acabam se esquecendo de usar seus órgãos auriculares; não falam com ninguém, não consultam ninguém e levam em frente qualquer novidade que à primeira vista lhes pareça simpática. Existe, entretanto, uma razão mais séria. Nossos congressistas parecem ter perdido a confiança em sua própria legitimidade. Querem a todo momento ouvir a voz do “povo”. Mas nem essa explicação é boa, pois, uma vez recebida a demanda para que se faça o plebiscito, eles, os congressistas, é que terão ou não de aprová-la. Aqui entre nós: por que não conversamos seriamente sobre a implantação do parlamentarismo? É difícil, mas é melhor que procurar cabelo em ovo.


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