O procurador da República Ivan Cláudio Marx, do Ministério Público Federal em Brasília, criticou neste domingo, 28, o uso de seu parecer por integrantes da defesa e da acusação no julgamento do impeachment. Nos três dias de depoimento de testemunhas e informantes, cada lado usou conclusões do investigador para isentar ou acusar a presidente afastada, Dilma Rousseff, de responsabilidade sobre as “pedaladas fiscais”. O inquérito conduzido por ele, no entanto, não tratou de atos da petista, mas de ex-ministros, ex-presidentes de bancos públicos e outras autoridades da equipe econômica subordinadas a ela.

Por lei, o procurador não tem atribuição para investigar o presidente da República, que tem foro especial por prerrogativa de função. A competência, nesse caso, é do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que precisa de autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer as apurações. Marx explica que, por esse motivo, nem sequer perguntou em depoimentos se Dilma teve alguma participação nas pedaladas.

“Estão me atribuindo uma infração funcional (ao usar o parecer para discutir a situação da presidente). Não posso investigar a Dilma. Só vou fazê-lo quando e se, eventualmente, tiver atribuição para isso”, comentou.

O procurador disse que, como seu parecer tem conclusões que desagradam tanto à defesa quanto à acusação, ninguém o chamou a depor no Senado.

Outros especialistas, no entanto, se repetiram em várias audiências. “Por que não me arrolaram? Nenhum dos dois lados queria me ouvir explicando a parte que não lhe interessa. Essa postura criou uma situação surreal. Ficaram discutindo o que eu pensava, como se eu fosse falecido”, protestou. “Quero ver as notas taquigráficas para ver quem foi citado mais: eu ou a Dilma.

Marx foi o responsável por analisar se houve crime comum nas pedaladas. Essas manobras consistiram no atraso de repasses do Tesouro Nacional para bancos públicos custearem despesas de programas sociais e empréstimos subsidiados. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Comissão do Impeachment concluíram que, ao fazê-lo, o governo usou as instituições financeiras, das quais é controlador, para se financiar ilegalmente. Caracterizaram as manobras como empréstimos ilegais, obtidos sem autorização legislativa.

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O procurador, no entanto, entendeu que nem as pedaladas de 2014 nem as de 2015 (estas analisadas no impeachment) se enquadram no conceito de “operação de crédito” previsto em lei e, por isso, não haveria ilegalidade. Considerou ainda que, se a intenção do governo fosse se financiar, haveria outras estratégias. Ele pediu o arquivamento da investigação sobre crime comum envolvendo subordinados de Dilma, o que está sendo analisado pela Justiça. A defesa usou essa parte do parecer para reforçar os argumentos em favor da presidente no impeachment.

Embora não tenha visto crime nas pedaladas, Marx entendeu que houve improbidade administrativa nas manobras, porque o governo não registrou os passivos referentes às pedaladas na Dívida Líquida do Setor Público. Com isso, teria “maquiado” a situação fiscal do País. Ele chegou a essa conclusão ao avaliar especificamente as operações de 2014, que não são tratadas no impeachment. A análise sobre as ocorridas em 2015, citadas no processo em curso no Senado, ainda não terminou e vários depoimentos ainda terão de ser colhidos. A acusação, no entanto, citou o parecer do procurador várias vezes para implicar Dilma.

“Esse é o problema de terem se apropriado do parecer. O mais triste é que não me deixaram explicar”, lamentou o procurador.


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