Eliane Caffé trouxe para o cine Roxy, em Copacabana – sede das galas da Première Brasil de 2016 -, um grupo de integrantes do MLM, Movimento de Luta por Moradia. Com suas camisetas vermelhas, invadiram a sala e foram ovacionados aos gritos de ‘Fora, Temer’, antes mesmo do início da sessão de Era o Hotel Cambridge. Eliane deu seu recado inicial: “Recebemos um recado do prefeito eleito de São Paulo (João Dória) de que ele vai ser duro com os movimentos sociais.” Mais aplausos – e veio o filme.

Já houve um grande filme de ficção nesta Première Brasil, e foi Redemoinho, de José Luiz Villamarim. Era o Hotel Cambridge está no mesmo patamar, e talvez até um degrau acima. É urgente, ali onde Redemoinho é clássico – mas é um classicismo revolucionário (uma contradição em termos), sem nada de acadêmico. Era o Hotel Cambridge aborda um tema explosivo – as ocupações urbanas. Um grupo ocupa o hotel do título. É visto de dentro. O que poderia ser documentário vira ficção pela intervenção de atores (José Dumont, Carmem Silva e Suely Franco) e pela simbiose de direção e roteiro. ‘Lili’ Caffé disse que o filme, oficialmente dirigido por ela, é uma criação coletiva.

Refugiados, trabalhadores sem-teto, atores. E a dramaturgia de Luiz Alberto de Abreu, que assina o roteiro com a ‘diretora’ e Inês Figueiró. O cinema é uma coisa maravilhosa. Não cessa de surpreender. O júri não vai poder ignorar Era o Hotel Cambridge. Será o Redentor deste ano? Júris, por sua composição, são imprevisíveis. O filme, de qualquer maneira, vem para fazer história por suas propostas estéticas e políticas. O direito à moradias está previsto na Constituição, lembrou a representante do MLM. Se o novo governo promete endurecer, o movimento promete não arrefecer. O possível impasse da realidade não inibe a constatação. Era o Hotel Cambridge é um filmaço. Tem humor, ação, suspense, até um confronto (com as forças repressivas da reintegração de posse). Em termos de mercado, pode até ser o filme que o público adepto da pipoca e do refrigerante talvez não queira ver, mas seria bom se visse, porque (também) reflete o Brasil.

Ainda tentando se recuperar do impacto de Era o Hotel Cambridge, o repórter viu Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex e Armando Mendez. Que País é esse? Daniela escreveu um livro-reportagem que rapidamente se converteu num fenômeno editorial. A HBO Brasil exortou-a a fazer a adaptação para a TV. O resultado vai ao ar em novembro. É fortíssimo. Entre 1930 e 80, o Hospital Colônia de Barbacena foi cenário de uma barbárie institucionalizada. Criado como sanatório, para tratamento de tuberculosos chiques, converteu-se em depósito de doentes mentais. O cartaz informa: “A sociedade esconde o que não quer ver”. Não era preciso ser louco – alienado, para ser correto – para ser confinado no Hospital Colônia. As famílias, o Estado, passaram a despejar os indesejáveis no Hospital Colônia.

Em cena, Daniela Arbex diz que Barbacena foi cenário desse verdadeiro holocausto brasileiro – 60 mil pessoas sofreram torturas inomináveis ali dentro. A ideia nunca foi recuperar e socializar os pacientes. O hospital tinha até um cemitério acoplado. Era uma espécie de estação final, onde os ‘detentos’ – assim chegam a ser chamados – chegavam de trem, como em Auschwitz. O horror, o horror. Para finalizar – Cynthia Nixon. Lembram-se dela? De Sex and the City. Cynthia interpreta Emily Dickinson em Uma Paixão Tranquila, de Terence Davies. Dificilmente será indicada para o Oscar. Se o fosse, teria de ganhar. A mulher, na literatura e na sociedade. Terence Davies fez um grande filme.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.