Ver Rafael Nadal jogar é uma experiência científica. Na quadra, movimenta-se alguém claramente dotado de capacidades físicas e mentais em número e intensidade superiores às das pessoas comuns. O que faz o tenista número 1 do mundo destacar-se tanto? O que o tornou o maior vencedor de Roland Garros, um dos torneios mais importantes – e o mais charmoso – do circuito? Na semana passada, os neurocientistas americanos RudyBehnia e Thomas Jessel, do Instituto do Cérebro, Mente e Comportamento da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, deram respostas a questões como essas. Seu principal segredo? Uma percepção quase sobre-humana capaz de permitir a ele, mais do que a qualquer outro, antecipar os movimentos do adversário e a trajetória da bola. A partir daí, seu cérebro se encarrega de desencadear as reações certas para a rebatida. Assim nasce o campeão.

A expertise de Rudy é o estudo da percepção visual e seu processamento dentro do cérebro. Tenista de fim de semana, a cientista se intrigava com a capacidade de Nadal de mesmerizar a audiência quando está em quadra e resolveu entender o que fazia tão fascinante. Propôs o desafio ao colega de bancada Jessel, pesquisador há trinta anos dos mecanismos envolvidos no controle motor pelo sistema nervoso central.

Os dois se debruçaram no estudo dos jogos de Nadal, atentando-se principalmente às reações do espanhol às jogadas dos oponentes. “Sua ação é pautada pela percepção que ele tem do movimento da bola”, explica Rudy à ISTOÉ. “Ela é acima do usual”, diz. Todo ser humano possui a habilidade de antecipar o movimento de objetos lançados em sua direção. Seu desenvolvimento fez parte da evolução dos animais, como uma estratégia de defesa. Em uns, ela é mais apurada. Em outros, menos.

No tenista, ela é resultado de um treinamento longo e intenso para extrair do ambiente somente as informações visuais que interessam à confecção do plano de resposta. “O que o faz tão estupendo é seu foco, atenção e habilidade para filtrar os dados visuais importantes no momento”, afirma a cientista americana. Os exercícios também tornaram azeitada em Nadal a refinada engrenagem que permite ao cérebro deduzir a direção dos objetos de acordo com a mudança no brilho emitido pelas imagens durante sua trajetória. “Há neurônios que captam essas alterações e enviam mensagens para ajudar outras células nervosas a identificarem o caminho que será percorrido”, explicou Rudy.

RESPOSTA RÁPIDA

No estudo, os pesquisadores deduziram ainda que o cérebro do atleta é mais rápido no processamento dos dados que, ao fim, resultará no acionamento dos músculos corretos. Entre serem recebidos como luz pela retina, transformados em sinais elétricos no nervo ótico e decodificados no córtex motor, passam-se frações de segundos. Foi possível concluir isso porque, antes mesmo de ver a bola chegar até o ponto onde está Nadal, Rudy e Jessel enxergaram músculos das pernas, braços e abdômen sendo acionados.

Cada um deles é inervado em média por 300 a 400 neurônios motores. O cérebro envia sinais para um a um. Está aí, na opinião dos dois americanos, o último mistério que ainda resta para explicar completamente o fenômeno Nadal. “Entender como cada neurônio motor do atleta reage ao estímulo cerebral completaria as respostas sobre esse atleta fantástico”, diz Jessell.

A reação do atleta leva também em conta dados sobre o oponente armazenados na memória