O BARDO Bob Dylan, 75: um dos mais influentes artistas vivos
O BARDO Bob Dylan, 75: um dos mais influentes artistas vivos

Quando Sara Danius, secretária-geral da Academia Sueca, anunciou o nome de Bob Dylan como o vencedor do Nobel de Literatura, ela tomou o cuidado de citar uma das imortais canções do compositor: “The Times They Are a-Changin” (“Os tempos estão mudando”, em tradução livre). Ao final do verso, ela acrescentou a palavra “talvez”. A atitude admitia tratar-se de uma escolha surpreendente. “Espero que não sejamos criticados por nossa decisão”, afirmou Sara, que é escritora e crítica literária. Para a entidade que confere a mais cobiçada premiação do mundo, Bob Dylan merece o Nobel de Literatura “por ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição americana da canção”. Apenas a adoção desse critério bastaria para premiá-lo. Mais importante é a compreensão que o júri demonstra ter da música pop como uma poderosa manifestação da cultura contemporânea. Nesse sentido, Bob Dylan é o artista que melhor soube se valer da canção para elevar a própria literatura.

De família judia, Robert Allen Zimmerman nasceu em 24 de maio de 1941 em Duluth, cidade de Minessotta à beira do Lake Superior, quase na divisa com o Canadá. O nome artístico pelo qual ficaria mundialmente conhecido é uma homenagem ao poeta galês Dylan Thomas (1914–1953) e revela uma inclinação literária que já se fazia presente desde os tempos da universidade. Fã do cantor e compositor de música folk Woody Guthrie, que exerceu forte influência sobre seu estilo musical, Bob Dylan largou a faculdade e se mudou para Nova York no início da década de 1960, onde abraçou a carreira de cantor. De início, apresentava-se sozinho, com sua característica gaita de boca afixada sobre o violão.

Seu segundo álbum, “The Freewheelin’ Bob Dylan” (1963), causou sensação por trazer uma de suas obras-primas, “Blowin’ in the Wind”, canção que se tornaria o mais evocado hino dos jovens americanos durante o movimento pelos direitos civis, firmando o nome do compositor como o grande poeta de sua geração na música. Nos anos seguintes, Dylan presentearia os fãs com outras canções memoráveis, caso de “Like a Rolling Stone”, considerada ainda hoje o maior rock de todos os tempos, “Mr. Tambourine Man”, “All Along the Watchtower” (gravada por Jimi Hendrix, um de fã confesso de Dylan), “Lay Lady Lay”, “Knockin’ on Heavens’ Door”, “Hurricane”, “Jokerman” e tantas outras que formam uma instigante crônica da América e do mundo de seu tempo.

O fascínio de Bob Dylan por escritores como Jack Kerouac e
Allen Ginsberg só se compara ao que sentia por Elvis Presley

Condição humana

Embora tenha publicado alguns livros (infantis, uma autobiografia e o cultuado romance de ficção “Tarântula”), sua obra como escritor está longe de ter a qualidade necessária a uma candidatura ao Nobel. Por isso mesmo, os organizadores do prêmio destacaram que a contribuição dele para a literatura está mesmo nas músicas que escreve. “Dylan gravou um grande número de álbuns que giram em torno de temas como a condição humana, religião, política e amor”, diz a nota. Seu olhar sensível e a capacidade única de sintetizar grandes ideias em versos fáceis de cantar talvez o coloquem num patamar acima de outros compositores admirados pela riqueza das letras que escrevem. Em suas canções, repletas de referências a outros autores e textos clássicos, incluindo os evangelhos, Dylan emula a potência visceral da poesia da geração beat. Seu fascínio por escritores como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Michael McClure só se compara ao que sentia por Elvis Presley.

Aos 75 anos, o artista que em 2008 recebeu uma citação especial no Pulitzer, também dedicado a escritores, torna-se um caso único por ter conquistado os mais importantes prêmios das letras, da música e do cinema. Diversas vezes vencedor do Grammy ao longo de sua carreira de 54 anos, Dylan recebeu, em 2001, tanto o Oscar de Melhor Canção Original quanto o Globo de Ouro pela música-tema do filme “Garotos Incríveis”, “Things Have Changed” (“As coisas mudaram”). Curiosamente, o título dialoga com o escolhido pela porta-voz do Nobel. Tudo muda — e a música de Bob Dylan ao mesmo tempo promove e reflete essas mudanças.

Fotos: divulgação; Bob Gruen; Lynn Goldsmith; Justin Sullivan/Getty Images