A chegada de populistas ao poder nos Estados e na Europa põe em destaque uma atração pelos caudilhos, também apreciados em Venezuela, Rússia e Filipinas, o que representa uma ameaça aos direitos humanos e à democracia – alertou a ONG Human Rights Watch em seu relatório anual.

Divulgado nesta quinta-feira (12), o documento de 704 páginas examina as principais tendências sobre direitos humanos no mundo, e concluiu que a campanha eleitoral de Donald Trump à Casa Branca foi “a vívida ilustração das políticas de intolerância”.

O êxito do bilionário de retórica anti-imigração reflete ainda um perigoso e crescente “encantamento por (…) homens fortes”, também evidente na Rússia, na China, na Venezuela e nas Filipinas.

Se essas posturas continuarem, “o mundo corre o risco de entrar em uma era obscura”, alertou a Human Rights Watch.

Na apresentação do relatório, em Washington, o diretor-executivo da HRW, Kenneth Roth, disse que a ascensão de Trump encorajou alguns líderes, como o cambojano Hun Sen, que veem sua eleição “como um sinal verde para continuar com sua repressão”.

Roth foi especialmente crítico com o escolhido por Trump para dirigir o Departamento de Estado, o ex-presidente do grupo petroleiro ExxonMobil Rex Tillerson, afirmando que “este é um cara que fez sua carreira fazendo acertos com ditadores” e que, em sua audiência de confirmação no Senado, na quarta-feira (11), apresentou uma “desculpa atrás da outra” para não condenar violações documentadas dos direitos humanos.

A ONG americana, que faz estudos nos 90 países avaliados, indicou talvez seja na Síria que aconteça “a ameaça mais letal contra os direitos humanos”, devido aos ataques indiscriminados contra civis pelas mãos das forças sírias e de seus aliados russos.

Mas o informe se concentrou no risco do populismo crescente.

Em um contexto de desemprego, ataques terroristas e de crescente diversidade étnica e racial, políticos como Trump exploram o descontentamento, que transforma refugiados, imigrantes e minorias em bodes expiatórios, e onde a verdade é “uma vítima frequente”, apontou a HRW.

A organização sustentou ainda que Trump “rompeu com princípios básicos de dignidade e igualdade” em seus ataques, sem aportar propostas “práticas”.

“Aceitar o autocrata”

A HRW identificou tendências similares em outros países, cujos cidadãos parecem “aceitar o autocrata que não demonstra qualquer escrúpulo na hora de fazer valer a visão da ‘maioria’ e subjugar quem se opõe a eles”.

“A revolução bolivariana, iniciada pelo falecido presidente Hugo Chávez e agora conduzida por seu sucessor, Nicolás Maduro, tornou-se um desastre econômico para os setores mais vulneráveis da sociedade”, destacou a HRW no documento.

Em coletiva de imprensa no Rio de Janeiro, o diretor-gerente da HRW para as Américas, Daniel Wilkinson, afirmou que a chegada de Trump à Casa Branca e a situação na Venezuela, a qual denominou de “crise humanitária”, são “duas grandes preocupações” na região.

Na Venezuela, “o processo democrático não está funcionando” e “o nível de desespero da população com a escassez de comida e remédios pode gerar uma crise regional”, advertiu.

Antídoto: a reação popular

A HRW identificou na Europa um “populismo similar” ao de Trump, visto na tentativa de atribuir aos imigrantes a culpa pelos problemas econômicos, um fenômeno claramente expresso no Brexit, apontou o documento.

“Os políticos buscam o poder com chamados ao racismo, à xenofobia e à misoginia” e afirmam que os cidadãos “aceitam violações dos direitos humanos como uma necessidade” para garantir o emprego e impedir as mudanças culturais, destacou a HRW.

“Esquecemos, para nosso perigo, dos demagogos de ontem – os fascistas, os comunistas e outros dessa índole -, que alegavam que tinham uma intuição especial (para perceber) os interesses da maioria, mas terminaram esmagando o indivíduo”, acrescenta o texto.

Enquanto dirigentes na França, na Holanda e na Hungria atiçam a ira popular, “muitos líderes ocidentais oferecem um apoio tímido” aos direitos humanos, criticou Roth.

Ainda assim, fez alguns elogios, mencionando a chanceler alemã, Angela Merkel; o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau; e o presidente americano, Barack Obama, por alçarem vozes de protesto.

Roth reclamou, porém, que outros líderes “enterraram a cabeça na areia” e, inclusive, exploraram os ressentimentos.

Segundo ele, pela primeira vez, a HWR não faz um apelo apenas aos líderes, mas também convoca os cidadãos de países com problemas a tomarem a iniciativa. Roth alega que o único antídoto contra o populismo é o ativismo cidadão.

“Os populistas prosperam no vácuo deixado pela oposição. Uma forte reação popular, que recorra a todos os meios disponíveis (…), é a melhor defesa”, destacou.