Pesquisa qualitativa realizada pela Fundação Perseu Abramo, o braço acadêmico do PT, entre ex-eleitores do partido na periferia de São Paulo, mostra que para uma parcela deste segmento o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o apresentador Silvio Santos e o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), têm perfis semelhantes.

Segundo a pesquisa “Percepções e Valores Políticos nas Periferias de São Paulo”, o eleitor da periferia vê o Estado não como indutor de qualidade de vida e oportunidades, mas como “inimigo” responsável por se apropriar do dinheiro dos impostos e fornecer serviços de baixa qualidade. A única forma de ascensão social é o mérito pessoal. Neste sentido, os eleitores que abandonaram o PT veem tanto Lula quanto Silvio Santos e Doria como principais exemplos de homens que “saíram de baixo” e venceram na vida.

“Há uma busca por identificação com histórias de superação e sucesso, é nessa medida que figuras tão díspares como Lula, Silvio Santos e Doria aparecem como exemplo. Em muitas circunstâncias, a figura de Lula é admirada menos pelas políticas que o governo dele implementou e mais porque ele próprio é um bom exemplo de ascensão social”, conclui o estudo, cujo levantamento foi realizado entre 22 de novembro de 2016 e 10 de janeiro deste ano.

O levantamento, tema de editorial da edição desta segunda-feira, 3, do jornal O Estado de S. Paulo, causou polêmica nas redes sociais.

A pesquisa coloca em xeque o conceito de luta de classes, base de quase toda literatura política de esquerda. “No imaginário da população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é, em grande medida, o próprio Estado ineficaz e incompetente, abre-se espaço para o ‘liberalismo popular’ com demanda de menos Estado”, revela o levantamento.

Grande parte do eleitorado defende a adoção de métodos empresariais na gestão pública, uma das plataformas de Doria, e a grande maioria não soube nem sequer diferenciar esquerda de direita. “Direita é alguém direito, correto. Esquerda é quem vive reclamando. Eu acho que a direita é quem está no poder e a esquerda é a oposição!”, disse um homem branco, de 30 anos, com renda entre dois e cinco salários mínimos.

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É certo que a crise econômica decorrente do governo da ex-presidente Dilma Rousseff e os escândalos em série envolvendo petistas – e, posteriormente, políticos de outros partidos – tiveram forte efeito sobre o eleitorado histórico do PT.

A pesquisa, no entanto, vai além e mostra aspectos pouco estudados sobre o comportamento do eleitorado de periferia. Um deles é a visão da população de baixa renda em relação às cotas. “(Os entrevistados) Não negam a importância de políticas públicas e garantia de acesso a oportunidades, mas rejeitam aquelas que parecem ‘duvidar’ das capacidades individuais, como as cotas.”

Diante dos resultados, os responsáveis pelo estudo concluíram que “o campo democrático-popular precisa produzir narrativas contra-hegemônicas mais consistentes e menos maniqueístas ou pejorativas sobre as noções de indivíduo, família, religião e segurança”.

Estudioso da classe média e presidente do Instituto Locomotiva, o pesquisador Renato Meireles disse que encontra hoje na periferia muitas pessoas que se identificam como de direita, mas têm pensamento de esquerda. E vice-versa. “Essa discussão teórica não faz absolutamente nenhum sentido na vida do brasileiro médio. As pessoas não têm mais os patrões como inimigo, mas os políticos.”

Ainda segundo Meireles, o ódio em relação aos políticos vira muitas vezes um descontentamento em relação ao Estado. “É preciso, porém, entender que isso não significa que tenham como valor liberal o Estado mínimo, mas que eles não veem contrapartida em relação aos impostos que pagam.”

Sobre cisão histórica entre classe média e burguesia, Meireles diz que há tempos ela já não existe. “É impossível enxergar o pensamento social do século 21 com as lentes do século 20.”

Debate

O presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, disse que pretende convidar pesquisadores com posições políticas diferentes, inclusive do Instituto Fernando Henrique Cardoso, para um debate aberto sobre a pesquisa Percepções e Valores Políticos nas Periferias de São Paulo.

“Há acúmulos sobre a temática da estratificação social, classes sociais, mas o debate até agora foi empobrecedor. Por isso há a sugestão de fazermos um convite. A ideia é chamar pessoas que estudam o tema, com posições políticas diversas das nossas, para um debate aberto”, disse Pochmann.

Vice-presidente nacional do PSDB, o ex-governador Alberto Goldman disse que acha “positivo” um debate entre os institutos tucano e do PT.

“Vivemos um período de terra arrasada. Tudo que é passado, seja ruim ou bom, foi arrasado. Há uma destruição generalizada. Não seria uma conversa eleitoral ou de partido, mas de institutos. Temos de começar a pensar em criar alguma coisa saudável, caso contrário, vai ser isso que vemos por aí, de João Doria e Bolsonaro”, disse.


Aproximação

Segundo Pochmann, o resultado não é totalmente surpreendente, pois já havia hipóteses de que o segmento pesquisado age de maneira diferente da classe trabalhadora tradicional.

“É um segmento que não tinha acesso ao trabalho assalariado até o início dos anos 2000. Alguns chamam de subproletariado, passou por uma mobilidade social. A contradição colocada no dia a dia deles é a da sobrevivência”, afirmou.

Para Pochmann, que é professor da Unicamp, o segmento pesquisado demanda serviços do Estado, conhece a qualidade destes serviços e, por isso, se rebela. De acordo com ele, o desafio da esquerda é oferecer serviços novos e melhores inclusive do que os que foram criados nos governos do PT. “Aquilo ele já conhece”, disse o presidente da fundação.

Segundo ele, o PT vai ter de se aproximar fisicamente para reconquistar estes eleitores.” Estudando sobre de que forma as Igrejas neopentecostais ganharam relevância vimos que tem a ver com serviços e capacidade de ouvir. A descentralização (do PT) é uma saída”, afirmou Pochmann. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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