Mesmo antes de a reforma da Previdência ser submetida ao seu primeiro grande teste de fogo, a votação no plenário da Câmara dos Deputados, pressões oriundas de setores da sociedade que sequer possuem uma alternativa ao texto original e dos próprios parlamentares integrantes da base do governo Temer foram o suficiente para que o projeto já começasse a ser deformado.

Nos últimos dias, a Câmara aprovou a inclusão de 130 emendas que enterram o projeto inicial. As principais sugestões de modificações aceitas foram: exclusão de militares, diminuição do tempo de idade e contribuição para homens e mulheres, tempo de transição, aposentadoria diferenciada para policiais, professores e trabalhadores rurais. Mesmo com a faca no pescoço, os deputados não perderam a chance de pegar carona no apelo das ruas, cujos manifestantes são em sua maioria ligados a sindicatos que agem a serviço do PT. Uma das emendas prevê que a lei não retroaja para atingir a categoria de trabalhadores engravatados. Com isso, ficam assegurados “o gozo do benefício (pelas leis anteriores) a qualquer tempo, bem como, em caso de falecimento, a pensão aos seus dependentes”. Quatro anos de mandato como deputado federal ou oito anos de mandato como senador da República.

O governo que tem a dimensão exata do tamanho do problema não deveria dobrar-se à primeira grita. Mas não foi o que ocorreu na última semana. O Planalto anunciou a exclusão do alcance da proposta a servidores públicos municipais e estaduais. As regras de aposentadoria das duas categorias, agora, serão definidas pelos chefes de cada estado. Ficam de fora mais de cinco milhões de trabalhadores incluídos nos dois grupos.

Marcação cerrada

Tudo indica que o recuo guarda relação com a visita do deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG) ao Palácio do Planalto na quarta-feira 8. Num dado momento da conversa, o visitante alertou o presidente para a possível derrota da proposta inicial do governo. “A verdade é que a reforma da Previdência, por exemplo, não passa. De jeito nenhum. O senhor pode criar 360 ministérios, dar um para cada deputado, e nem assim a reforma passará”, teria dito Ramalho, segundo relato do colunista Ricardo Noblat.

O risco de a reforma não ser aprovada na Câmara em uma futura votação está associada à proximidade das eleições. O remédio amargo para curar o déficit da Previdência, cujo índice revelado em 2016 foi em torno R$ 149,7 bilhões nas contas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). “O senhor é político. Sabe que a um político se pode pedir tudo, menos que se suicide. A um ano e pouco da próxima eleição, a reforma da previdência não passa porque ninguém quer se arriscar a perder o mandato”, vaticinou Ramalho. Ao que o presidente teria respondido: “Se a reforma não passar, o país quebra”.

RECUOU Temer anunciou na última semana que regras não valerão para servidores públicos municipais e estaduais
RECUOU Temer anunciou na última semana que regras não valerão para servidores públicos municipais e estaduais

A medida tomada pelo presidente aos 45 minutos do segundo tempo soa como uma reação ao fato de os governadores não estarem fazendo o seu dever de casa, que é o de tentar convencer suas bases eleitorais a aceitarem a reforma como ela está. É que se a mudança foi bem recebida pelos congressistas, o mesmo não se pode dizer sobre os governadores. Atolados em dívidas astronômicas, eles agora terão a ingrata missão de formular juntamente com seus respectivos parlamentos as regras próprias para a aposentadoria dos servidores. O desgaste, principalmente político, é certo.

Mas isso não é suficiente para sustar as pressões que chegam de todos os lados ao Congresso Nacional. Nas ruas do País, movimentos organizados insuflam o coro contra as reformulações previstas no texto enviado pelo governo. São eles, muitas vezes instrumentalizados por sindicatos até agora incapazes de apresentar um projeto alternativo, que forçam os parlamentares a barrarem a PEC. A maior manifestação contra a reforma ocorreu no dia 15, classificados como Dia Nacional de Paralisações e Greves. Milhares de manifestantes protestaram contra as reformas da Previdência e Trabalhista propostas pelo governo do presidente Michel Temer, em 19 estados. Para o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) trata-se de um desserviço ao País. Em sua avaliação, a aprovação da PEC 287 representará um passo importantíssimo para a construção de um regime fiscal equilibrado no Brasil. “É preciso complementá-las com medidas mais drásticas para aliviar as contas do governo no curto prazo”, cobra. “O Estado não poderá cuidar sozinho da aposentadoria. Será preciso criar novos mecanismos de financiamento para os benefícios de aposentadoria e os cidadãos individualmente terão que assumir uma parcela da responsabilidade pelo financiamento os benefícios decorrentes do envelhecimento”, destacou. “A ideia é manter a proposta mais fiel possível ao original”, torce o secretário de Previdência, Marcelo Caetano.

Dependentes

O alerta é fundamentado pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o setor da Previdência. As projeções populacionais mostram que no ano de 2060 o Brasil terá 131,4 milhões de pessoas em idade ativa –ou seja, entre 15 e 64 anos – representando uma população menor do que a atual de 140,9 milhões de pessoas nesta faixa etária. Se hoje em dia, que a Previdência Social já é responsável por um rombo bilionário nas contas governamentais, a proporção de dependentes (jovens e idosos) é de 54 para 100 trabalhando, em 2060, haverá 87 para cada 100. Ou seja, sem uma reforma no sistema de previdência, o trabalho do mesmo número de pessoas precisará render 60% mais só para cobrir gastos com dependentes.

Nova Polêmica à vista 

86

Enquanto o presidente Michel Temer tenta fazer o Congresso deglutir a reforma da Previdência, as mudanças nas regras trabalhistas estão sendo votadas em fatias. Começou de leve, com a regulamentação das gorjetas para garçons. Mas nesta semana deu um passo significativo com a aprovação do projeto que libera a terceirização até mesmo de atividades-fim, tanto no setor privado quanto público. Apesar de forte polêmica, por fragilizar contratações do tipo CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), a matéria contou com a ajuda especial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que sacou da gaveta um projeto de 1998, aprovado pelo Senado em 2002 e parado desde então. O texto vai para sanção presidencial. O presidente do Senado, Eunicio Oliveira (PMDB-CE), prometeu pautar outro projeto que está no Senado desde 2015, sobre o mesmo tema, porém mais pró-trabalhadores.