A literatura pode ser a chave para compreender o Michel Temer pensador. Sua obra mais conhecida é “Elementos de Direito Constitucional”, de 1982. Com o texto reformulado a partir da Constituição de 1988, da qual Temer foi um dos grandes ideólogos, o livro permanece ainda hoje como principal referência sobre o tema. É leitura obrigatória para estudantes de Direito e fonte de consulta para parlamentares que evocam a Carta Magna em seus pronunciamentos. Tanto assim que o livro foi citado e exibido por duas vezes pelos senadores que discursaram sobre a inabilitação de Dilma Rousseff para cargos públicos. Kátia Abreu (PMDB-TO) apoiou parte de sua argumentação na página 171 do livro de Michel Temer. Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) citou a mesma obra, afirmando que a colega fizera uma leitura incompleta do texto – e que o crime de responsabilidade prevê tanto a perda do mandato quanto o afastamento da política por oito anos.

Presidente pensador O novo chefe de governo e suas obras
Presidente pensador: O novo chefe de governo e suas obras (acima): do esquerdo à poesia

“Exposição”

Escrever é expor-se.
Revelar sua capacidade.
Ou incapacidade.
E sua intimidade.
Nas linhas e entrelinhas.
Não teria sido mais útil silenciar?
Deixar que saibam-te pelo que parece que és?
Que desejo é este que te leva a desnudar-te?
A desmascarar-te?
Que compulsão é esta?
O que buscas?
Será a incapacidade de fazer coisas úteis?
Mais objetivas?
É por isso que procuras o subjetivo?
Para quem a tua mensagem?
Para ti?
Não sei.
Mais uma que faço sem saber por quê.
Poema de “Anônima Intimidade”

“Elementos de Direito Constitucional” (Malheiros) já vendeu 240 mil exemplares e está na 24ª edição. Nas palavras do autor, foi escrito como “despretensiosa obra didática” para alunos de bacheralado e mestrado. Ao explicar o funcionamento dos três poderes e a organização do Estado brasileiro, Temer revela-se um obstinado defensor da Constituição que ajudou a escrever. O tema permanece em seu livro seguinte, “Constituição e Política”, de 1994, que o então parlamentar dedicou ao chamado “direito público” (Código de Defesa do Consumidor, relações trabalhistas, reforma agrária) e sua relação com a atividade política. Nessa obra já aparecem algumas das opiniões que definem o ideário do presidente. Temer defende, por exemplo, que os partidos explicitem suas convicções ideológicas em um programa “principiológico”. Sem esconder sua simpatia pelo sistema parlamentarista, ele chega a propor um regime de transição, o “semipresidencialismo”, com o primeiro-ministro indicado pelo presidente.

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Reformas

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Baseado em discursos de Temer ao longo de seus mandatos como deputado federal, “Democracia e Cidadania” (2006) expressa mais claramente uma de suas crenças fundamentais: a de que o ideal político pode ser buscado pelo entendimento, pelo diálogo e pelo exercício democrático do debate. No âmbito da segurança pública, o mestre em Direito sugere penas mais severas para inibir a criminalidade, como ocorreu após a inclusão do sequestro entre os crimes hediondos. Tratando de temas que tendem a crescer em importância durante seu governo, defende a reforma do sistema fiscal e a redução da carga tributária para estimular o desenvolvimento – e se mostra contrário a medidas intervencionistas na economia.

Longe do campo das leis e da política, uma de suas paixões é a poesia. Por meio dela, o leitor pode conhecer uma face do presidente que permaneceu no âmbito privado mesmo diante de sua longeva vida pública. Lançado em 2013, “Anônima Intimidade” (Topbooks) traz 120 poemas, alguns escritos em guardanapos de papel durante viagens entre Brasília e São Paulo. Espécie de refúgio que o resguardava da “arena árida da política legislativa”, os poemas têm inspiração declarada em autores do romantismo brasileiro do século 19, como Álvares de Azevedo, e trazem metáforas da atividade política de Temer. É o caso de “Tempo que passa”: “Deixo que o tempo passe / E que os papéis / percam atualidade / Superados, rasgo-os / Também assim / nas relações / Deixo que o tempo as consuma / Exauridas, elimino-as”. Os versos mais emblemáticos da pena de Temer, contudo, parecem mesmo ser de “Trajetória”: “Se eu pudesse / Não continuaria”.

“Como transição para o sistema parlamentar, Temer sugere o
“semipresidencialismo”, com o primeiro-ministro indicado pelo presidente”


Das leis e das letras
Mestre em Direito, o presidente Michel Temer escreveu livros sobre Constituição, política e também poemas. Confira três deles:

“Anônima Intimidade”

Correio elegante.
Hoje, torpedo.
Bom mesmo era o correio elegante
Nas quermesses do interior.
O garçom levava sua mensagem para alguém.
Ou trazia,
Sempre anônimas,
Palavras de amor.
Ou admiração.
Despertava curiosidade.
Quem mandou?
E a sua mente divagava.
Sonhava.
Fantasiava.
Desejava.
Será ela?
Outra?
Era uma intimidade aquele anonimato.
Depois, você caminhava para sua casa, para seu quarto.
E dormia inebriado pelas palavras e pelo perfume
Que o correio elegante trazia.

“Embarque”

Embarquei na tua nau
Sem rumo. Eu e tu.
Tu, porque não sabias
Para onde querias ir.
Eu, porque já tomei muitos rumos
Sem chegar a lugar nenhum.

“Vermelho”

De vermelho.
Flamejante.
Labaredas de fogo.
Olhos brilhantes
Que sorriem
Com lábios rubros.
Incêndios
Tomam conta de mim.
Minha mente
Minha alma.
Tudo meu
Em brasas.
Meu corpo
Incendiado
Consumido
Dissolvido.

Finalmente
Restam cinzas
Que espalho na cama
Para dormir.



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