Valendo-se claramente de uma tese populista, setores do PT acenam com a possibilidade de um plebiscito que antecipe a eleição presidencial de 2018 caso Dilma Rousseff volte ao Planalto. É bom, então, que se observe o que está ocorrendo nesse exato momento na Inglaterra. Menos de uma semana depois do plebiscito que disse sim ao Brexit e determinou a saída do Reino Unido da União Europeia, outro termo vem predominando nas discussões entre os súditos da rainha Elizabeth e inquietando os britânicos: “Bregret”. Trata-se da fusão entre “Brexit” e “regret”, que significa arrependimento. Até a sexta-feira 1, uma petição popular, dirigida ao Parlamento Britânico pedindo nova consulta, somava mais de três milhões de assinaturas. E a constatação feita por observadores internacionais de diversos continentes é a de que existe de fato um arrependimento entre os ingleses. Embora não haja ainda nenhuma pesquisa, a conclusão dos especialistas vai além da simples percepção. Na última semana, e principalmente entre a sexta-feira 24 e a segunda-feira 27, em todo o Reino Unido, o tópico mais acessado no Google foi : “O que significa a saída do Reino Unido da União Europeia?”. O segundo mais consultado: “O que é União Europeia?” São perguntas reveladoras. Elas mostram que muitos britânicos foram às urnas e votaram sem ter conhecimento exato sobre qual o caminho que estavam escolhendo e quais as reais consequências dessa opção. Essa é, na verdade, uma polêmica que extrapola as fronteiras do Reino Unido, da própria Europa e que chega ao Brasil.

Por aqui, diante da demagógica estratégia petista, torna-se oportuna uma reflexão sobre plebiscitos e referendums. Seriam eles métodos capazes de identificar efetivamente o desejo popular e apontar para soluções corretas? Ou seriam formas de revelar apenas uma fotografia instantânea a respeito dos ânimos da sociedade em determinado contexto? Não há dúvida alguma de que uma consulta direta, em tese, deveria traduzir com precisão a vontade dos consultados. Mas, o que se constata tanto no episódio do Reino Unido como nas consultas recentemente feitas no Brasil é que a força do marketing e o momento da decisão, muitas vezes tomadas no calor de alguns fatos específicos, acabam interferindo diretamente no resultado. A força da propaganda e as circunstâncias momentâneas induzem as pessoas a tomarem suas decisões muito mais pelo lado emocional do que pelo racional. E a emoção, em geral, tira os olhos do foco do futuro. O imediatismo é mau conselheiro. O “bregret” é provavelmente o mais recente exemplo disso. Em sociologia, aprende-se nas primeiras lições que a emoção manipula e distorce a realidade.

Não é preciso ser guru e nem portador de dons sensitivos para concluir que, no instante em que toda a classe política se vê afetada pelas descobertas das diversas operações da Polícia Federal, em particular da Lava Jato, a maioria dos brasileiros certamente optaria por novas eleições, sem levar em consideração tudo o que isso significaria para a estabilidade política do País e o futuro da democracia. É certo que a sociedade também votaria pelo “sim”, caso fosse proposta a extinção do PT em meio aos escândalos do Mensalão e do Petrolão. O mesmo ocorreria se fosse apresentada a pena de morte nesses tempos em que a violência assola o País, colocando os cidadãos de bem em meio a um tiroteio onde de um lado se encontra o crime organizado e, de outro, uma polícia despreparada. No Reino Unido, as manifestações da semana passada deixaram muito claro que a decisão de se retirar da União Europeia foi tomada pelos mais idosos e mais conservadores, motivados por um marketing que, explorando o nacionalismo e os problemas do crescente fluxo migratório, atingiu o eleitor pelo emocional. A ficha só foi cair e o arrependimento chegou quando vieram a renúncia do respeitado primeiro-ministro David Cameron, a constatação da queda do valor da libra e a real possibilidade de aumento de impostos. Todas esses acontecimentos eram previsíveis e certamente seriam considerados caso a opção na hora do voto fosse mais racional, mais focada no futuro.

No Brasil, a história recente também registra particularidades sobre os plebiscitos que merecem ser analisadas. Em 1993, por exemplo, os brasileiros foram convocados a responder uma questão importante. Continuaríamos a ser um País de regime presidencialista ou adotaríamos o parlamentarismo? Um ano antes do plebiscito a população havia ocupado as ruas de Norte a Sul pedindo o impeachment do presidente Fernando Collor, o que de fato veio a ocorrer. A nação também ainda transpirava a mobilização das Diretas Já e a retomada do direito de eleger seu mandatário pelo voto direto. No Brasil do final da década de 1980 e início da década seguinte, votar para presidente era o simbolismo maior da conquista da democracia e da ruptura com uma ditadura de mais de 20 anos. Em 1993, o fato de termos um presidente afastado foi usado pela máquina propagandista do presidencialismo para levar à constatação de que o regime era capaz de superar seus próprios desacertos sem mergulhar o País em crise institucional. Assim, sem maiores aprofundamentos, tratou-se o conjuntural como se fosse estrutural, não se promoveu uma discussão mais ampla e, movidos pelo emocional, os brasileiros fizeram sua opção. Como na Inglaterra de hoje muitos buscam o Google para saber o que é União Europeia, no Brasil de 1993 não era raro encontrar quem perguntasse o que é parlamentarismo, dias depois do plebiscito. Em 1994, os brasileiros voltaram às urnas para eleger presidente, senadores, governadores e deputados. Fernando Henrique Cardoso, que no ano anterior desempenhara o papel de um dos mais aguerridos defensores do parlamentarismo, foi eleito no primeiro turno, superando rivais presidencialistas como Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo. É verdade que o sucesso do Plano Real embalou a vitória de FHC, mas o PSDB, que promovera a campanha do parlamentarismo, também elegeu seis governadores, entre eles os de estados importantes como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ou seja, meses depois de optar pelo presidencialismo em um plebiscito, os eleitores colocaram no poder os líderes que fizeram a campanha do parlamentarismo.

Agora, em 2016, é evidente que o atual aceno de setores petistas com um plebiscito pedindo a antecipação da eleição presidencial desde que Dilma volte ao poder não passa de demagogia. Como os plebiscitos podem muitas vezes se transformar em armadilhas emocionais, é preciso ficar alerta para que decisões do presente, tomadas pela emoção, não distorçam o foco do futuro.

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