O início do governo do presidente Michel Temer pode der dividido em duas frentes distintas. A primeira foi marcada pelos tropeços de alguns de seus ministros, que fizeram declarações inapropriadas e acabaram desautorizados publicamente. A segunda diz respeito à economia. Nessa área, o novo chefe da nação ganhou muitos pontos. Como era previsto, a escolha de Henrique Meirelles para o ministério da Fazenda atraiu para o governo nomes reconhecidos pela competência. Para a presidência do Banco Central (BC), Meirelles escolheu Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú, que já havia passado pela diretoria da autoridade monetária e pelo Fundo Monetário Internacional. Nas Secretarias de Previdência e de Política Econômica, colocou Marcelo Caetano, coordenador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Carlos Hamilton Araújo, ex-diretor do BC, respectivamente. O economista Mansueto Almeida, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, será o responsável pelo Acompanhamento Econômico. Em comum, esses homens têm experiência nos setores público e privado e competência técnica para fazer um diagnóstico da real dimensão da crise econômica e formular as soluções para tirar o País da recessão.

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Temer também acertou em colocar nomes estrelados em dois postos fundamentais. Ex-ministro-chefe da Casa Civil no governo Fernando Henrique Cardoso, o engenheiro Pedro Parente foi o escolhido para assumir a presidência da Petrobras num dos momentos mais difíceis da história da empresa. Parente está acostumado a desafios. Em sua passagem no governo FHC, foi responsável pelo gerenciamento da crise energética de 2001, conhecida como Apagão. Antes disso, passou pelo Banco do Brasil, o BC e algumas Secretarias de Estado. Além da trajetória pública, assumiu cargos executivos em empresas como Bunge Brasil. “Temer colocou de maneira enfática que a gestão da Petrobras tem que ser profissional”, disse Parente, em entrevista coletiva. “Não haverá indicações políticas.”

Depois de receber críticas por indicar um ministério exclusivamente masculino, Temer surpreendeu com a escolha da economista Maria Sílvia Bastos Marques para presidir o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A executiva de 59 anos será a primeira mulher a assumir o cargo. Maria Sílvia ocupou posições-chave na administração do Estado, passando pela secretaria da Fazenda na prefeitura de César Maia, nos anos 90, e pela presidência da Empresa Olímpica Municipal no governo de Eduardo Paes, entre 2011 e 2014. A economista também presidiu a siderúrgica CSN e dirigiu o BNDES na gestão de Eduardo Modiano. A expectativa do mercado é que, sob o comando de Maria Sílvia, o banco passe por mudanças significativas. “Há muitos sinais de que, nos últimos anos, o BNDES atuou como agente político”, diz Marcos Melo, professor de Finanças do Ibmec/DF. Durante a administração de Luciano Coutinho, que começou em 2007, a ambição de criar “campeões nacionais”, grandes empresas brasileiras que seriam líderes no mercado internacional, foi alvo de críticas. A partir de agora, a instituição deverá ser mais criteriosa na concessão de créditos e se dedicar ao apoio de privatizações, área em que Maria Sílvia tem longa experiência.

 

Meirelles será o líder deste time de notáveis. Ele carrega nos ombros o peso de atuar como uma espécie de primeiro-ministro informal. O sucesso de Temer depende essencialmente da capacidade da equipe do ministro da Fazenda para reativar a economia. Agora, nada é tão urgente quanto a recuperação de empregos, a retomada de investimentos, o controle da inflação. Nas primeiras horas, logo após sua posse, ficou evidente que o ministro da Fazenda funcionará como um fiador da credibilidade do novo governo.

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Desde o primeiro dia, a equipe de Meirelles manteve um discurso unificado. “O time é homogêneo e liderado por um ministro forte”, afirma João Augusto de Castro Neves, diretor da consultoria internacional Eurasia. “Pudemos observar no Brasil nos últimos 40 anos que, quando há mais de um nome forte na equipe, isso gera tensões e conflitos. Foi assim com Pedro Malan e José Serra no governo de Fernando Henrique Cardoso e também com Joaquim Levy e Nelson Barbosa no governo Dilma.” Para Alfredo Coutiño, diretor de América Latina da agência de classificação de riscos Moody’s, a liderança de Meirelles é um valor importante para o grupo. “Minha expectativa é que, com o reconhecimento internacional do chefe e a experiência de todos, eles consigam implementar reformas estruturais”, diz.

Castro Neves, da consultoria Eurasia, espera que a coerência da nova equipe se reflita também na comunicação, sobretudo entre o BC e o mercado. “Os dilemas de ação que Ilan vai enfrentar serão parecidos com os de Alexandre Tombini, mas ele deverá ter mais credibilidade na comunicação.” A expectativa de mudanças recai também sobre a relação da Fazenda com a instituição e a rigidez no controle da política monetária, que deverá ser maior que na gestão anterior. Nos cinco anos de Tombini na presidência, a inflação sempre ficou acima do centro da meta, de 4,5%. “O BC perde a confiança do mercado se a meta nunca é realista, foi o que aconteceu nos últimos tempos”, afirma Eduardo Alves, diretor da S&P Global Market Intelligence. “O problema é quando a política interfere nas decisões da autoridade monetária. Acredito que, ainda que não haja a independência formal da instituição, Temer dará flexibilidade para Ilan fazer o que achar necessário com a taxa de juros.” Há no mercado financeiro a avaliação de que os juros, atualmente em 14,25% ao ano, chegaram a um teto. Mesmo assim, a inflação, que desacelerou no primeiro trimestre, voltou a subir.

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A nova equipe tentará resgatar o tripé macroeconômico implementado em 1999, que prevê câmbio flutuante e um regime de metas de inflação e metas fiscais. Num esforço para dar fôlego novo ao desenvolvimentismo, esse sistema foi gradualmente deteriorado pela nova matriz econômica adotada por Dilma. A corrente permitiu maior intervenção do Estado na economia, com política fiscal expansionista, barateamento do crédito, renúncias fiscais e subsídios a setores determinados. O resultado foi um rombo nas contas públicas estimado num total entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões – mais que o dobro do previsto pelo ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. A conta ficou para Meirelles e seu time.

O desafio é mesmo hercúleo. Qualquer tentativa de reequilíbrio fiscal pelo aumento de impostos deverá ser temporária, pois há o risco de se tornar contraproducente. Isso porque a carga tributária no País já é muito alta, a atividade econômica está desaquecida e o aumento da contribuição sobre combustíveis, a Cide, por exemplo, teria impacto indesejável na inflação. Entre os economistas, é quase consenso que a solução para a crise passa, principalmente, pelo corte de gastos. Além da redução de ministérios colocada em prática, Temer estuda extinguir de 4 mil a 6 mil cargos comissionados e rever os custos de programas sociais. O Minha Casa, Minha Vida teve a construção de 11 mil moradias suspensa. O Bolsa Família, por sua vez, poderá perder até 10% dos beneficiários. A primeira prova de fogo da nova equipe econômica acontecerá nesta semana, quando o governo encaminhará ao Congresso um projeto de alteração da meta fiscal, que deverá ser votado até o dia 30. A proposta deverá contemplar a carência de um ano no pagamento da dívida dos Estados com a União e o reajuste salarial dos servidores do Judiciário.

Ao menos por enquanto, a resposta dos investidores tem sido positiva. Na semana passada, Eduardo Valle, chefe de relações governamentais da consultoria Speyside, que atende multinacionais e investidores internacionais, notou maior interesse dos clientes, sobretudo americanos, europeus e asiáticos, em fusões e aquisições e parcerias público-privadas no País. Esse movimento é fundamental para recuperar o investimento privado, hoje ao redor de ínfimos 18% do Produto Interno Bruto. “É um ânimo cauteloso em relação ao ambiente político, que está sujeito a imponderáveis como os desdobramentos da Operação Lava Jato e as tensões sociais, que acabam repercutindo no Congresso”, diz. O movimento dos sem-teto já programou manifestações em diversas cidades contra os cortes na área social e as centrais sindicais exigiram que as novas regras da Previdência não afetassem quem já está no mercado de trabalho.

O controle dessa equação vai depender da articulação de Temer e Meirelles. Segundo o índice de bilionários da Bloomberg, apesar da recessão, o crescimento das fortunas no Brasil nos últimos 12 meses impulsionou os ganhos dos bilionários no mundo todo. Em outras palavras, os brasileiros ricos ficaram 12,3% mais ricos, enquanto, no resto do mundo, os bilionários enriqueceram 1,2% no período. Será a população de renda média e baixa, portanto, quem mais sofrerá com as novas medidas econômicas, que devem incluir uma reforma na Previdência com a fixação de uma idade mínima. “Isso é algo que será difícil para Temer controlar na política e para Meirelles justificar aos cidadãos, já que o benefício não virá no curto prazo”, diz Alves, da S&P.


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