Num pequeno apartamento do Bronx, Nova York, em 1939, o desenhista e criador do Batman, Bob Kane, dá o seu melhor para conceber o personagem que ele espera que o faça rico e famoso. O resultado não é muito convincente: um homem de colã vermelho, sunga sobre as calças e máscara de carnaval. Desesperado, recorre ao amigo Bill Finger, um jovem roteirista nerd e acanhado. Da cabeça dele, sai o Cavaleiro das Trevas como o conhecemos hoje: num uniforme preto, com capa em formato de asas e as protuberâncias na cabeça, como orelhas de morcego. Mas Finger não levou o crédito pela invenção e morreu na miséria, enquanto Kane ficou milionário. Essa é a história do documentário Batman & Bill, que acaba de ser lançado. “Sem Bill, o homem-morcego não existiria”, disse Marc Tyler Nobleman, autor do filme. “Enquanto Bob só estava interessado no super-herói pelo dinheiro.”

Como Kane era responsável pelo contato com os editores, fez com que o nome do colega nunca fosse mostrado nos gibis. Ele desenhava e o roteirista anônimo se empenhava em criar não só o Batman, mas todo o mundo que o envolvia (leia quadro). Após uma das poucas aparições públicas de Finger, numa convenção nos anos 60, única ocasião em que se apresentou como coautor, Kane soltou um comunicado afirmando que “a declaração de Bill é mentirosa. Eu criei o Batman sozinho.”
Finger chegou a querer brigar pelos direitos de nome, mas não tinha dinheiro para bancar o advogado. Enquanto isso, Kane, um bufão nato, vivia como celebridade. Para sustentar a própria versão, chegou a falsificar um desenho que teria feito na adolescência. Passou a viajar pelo mundo vendendo gravuras de luxo com imagens do homem-morcego como se fossem suas. Detalhe: ele não as fazia. “Bob ficou famoso deixando outras pessoas fazerem o trabalho dele”, diz Nobleman.

Antes de morrer, Kane declarou numa autobiografia (escrita por ghostwriter) que o colega foi responsável por entre 50 e 75% do Batman, e que se arrependia por não lhe dar os louros. Mas não consertou a injustiça, pois temia perder dinheiro. Quem se incumbiu da missão foi o próprio documentarista, que narra sua trajetória em busca da reparação. Ele encontrou uma neta do roteirista e a convenceu a entrar na Justiça. Em 2015, a descendente fez um acordo com a empresa responsável pela marca e conseguiu que o nome de Finger fosse creditado.

Quarenta anos antes, Bill morria esquecido. Um amigo descobriu o cadáver num quarto iluminado apenas pela TV. O corpo foi cremado pelo filho do autor, que espalhou as cinzas numa praia, sobre um desenho do brasão do homem-morcego.

MUNDO SOMBRIO
Finger não apenas criou o Batman, ele concebeu toda a fauna que povoa Gotham. São frutos de sua imaginação…

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