“Sem violência, sem ódio, sem vingança.” É o que diz o cartaz pendurado por uma pessoa anônima na praça Breitscheidplatz, Berlim, onde estão sendo colocadas homenagens para honrar as vítimas do ataque terrorista feito com um caminhão que matou 12 frequentadores de um mercado de Natal e feriu outros 49 na segunda-feira 19. Como o principal suspeito do atentado é um imigrante que pediu asilo, o pôster deixado no local da tragédia é um apelo para que os alemães não rechacem todos os refugiados pelo pecado de somente um deles. Infelizmente, não surpreende que parte considerável da nação rejeite a súplica e que o país mais aberto da Europa reveja suas posições daqui para frente. “Eu sei que seria particularmente difícil para todos nós suportarmos caso seja confirmado que a pessoa que cometeu esse crime tenha pedido proteção e asilo na Alemanha”, disse a chanceler Angela Merkel, logo depois do ocorrido. “Isso seria particularmente repugnante, visto que muitos alemães se dedicam dia após dia a ajudar refugiados que realmente precisam.” O episódio trágico ameaça a reeleição de Merkel e promove o avanço do partido de extrema direita, avesso à política receptiva da chanceler.

ATENTADO Bombeiros e policiais examinam o local do massacre, confirmado como ataque terrorista
ATENTADO Bombeiros e policiais examinam o local do massacre, confirmado como ataque terrorista

O ataque aconteceu pouco depois das 20h (horário local), quando um caminhão de 25 toneladas levando vigas de aço foi deliberadamente jogado em cima de uma tradicional feira natalina, atropelando tudo à sua frente em uma distância de cerca de 50 metros. O veículo, que é pertencente a uma empresa de Gdansk, na Polônia, foi roubado das mãos do verdadeiro motorista, encontrado morto no banco de passageiro. Ele provavelmente foi esfaqueado pelo terrorista durante o assalto, mas mesmo assim tentou lutar contra o perpetrador antes do massacre e foi abatido a tiros. No dia seguinte ao ataque, o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade. O caso lembrou o atentado cometido em julho, na França, quando um radical islâmico matou 86 pedestres e feriu mais de 100 durante as comemorações do feriado da Bastilha, em Nice. “De repente, houve um grande barulho e as pessoas se jogaram em cima de mim”, afirmou à ABC a estudante australiana Trisha O’Neill, uma sobrevivente de Berlim. “Havia sangue e corpos por todas as partes.”

Onda de intolerância

O primeiro suspeito do crime foi um imigrante paquistanês de 23 anos identificado apenas como Naved B. que caminhava nas redondezas do atentado e foi levado pela polícia para questionamento por supostamente estar fugindo da cena do crime. Sua prisão parece ser o primeiro indício de que uma onda de intolerância pode estar prestes a cair sobre a Alemanha, já que as próprias autoridades do país o liberaram após verificarem que não havia provas contra ele. Agora, as forças de segurança apontam o tunisiano Anis Amri, 24 anos, como o responsável – seus documentos foram achados dentro do caminhão. Ele mora na cidade desde fevereiro e havia requisitado asilo, que foi rejeitado. Desde junho, o tunisiano enfrentava um processo de deportação. Os procuradores dizem ainda que Amri estava sendo investigado por unidades contraterrorismo, que já portou seis identidades falsas, está armado e é perigoso. Uma recompensa de 100 mil euros foi oferecida por informações que levem à captura do criminoso.

VEÍCULO O caminhão usado no ato é polonês: motorista foi um dos mortos pelo extremista
VEÍCULO O caminhão usado no ato é polonês: motorista foi um dos mortos pelo extremista

Mudanças à vista?

A Alemanha é o país da Europa mais aberto a refugiados (leia quadro), porém o caso pode obrigar Merkel a rever sua política de recebimento de imigrantes. Em setembro do ano que vem, a chanceler enfrentará eleições para se reafirmar no poder, num momento em que populistas islamofóbicos se fortalecem na Europa. Analistas apontam que ela deve se reeleger, mas a maioria das pesquisas de opinião mostrou que Donald Trump não seria presidente dos Estados Unidos e que o Reino Unido não deixaria a União Europeia, duas previsões que não se concretizaram. Enquanto isso, o partido de extrema direita AFD vem crescendo consistentemente nas consultas populares e pode conquistar cadeiras no Parlamento. Já a popularidade da mandatária, que superava os 70% antes da crise dos asilados, está em franca decadência desde então. Em novembro, só 52% estavam satisfeitos com ela. Mal acabado o ataque terrorista, populistas alemães apontaram sua artilharia para fustigar ainda mais a chanceler. De acordo com eles, sua doutrina de acolhimento foi responsável pela entrada de extremistas muçulmanos. “O ambiente em que atos como esse podem se espalhar foi cuidadosamente e sistematicamente importado durante o último ano e meio”, afirmou Frauke Petry, líder da AFD. “Não foi um acidente isolado e não será o último.”

LUTO A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, presta homenagem às vítimas
LUTO A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, presta homenagem às vítimas

Uma das forças do populismo é que ele parte de fatos verdadeiros para chegar a conclusões equivocadas. Sem dúvida, acontecerão outros atentados semelhantes na Alemanha e no restante do mundo. No entanto, enfrentar a intolerância com ódio faz apenas com que a contagem de mortos aumente. No mesmo dia do atropelamento em massa em Berlim, um homem suíço de descendência africana abriu fogo contra fiéis de um centro islâmico em Zurique. Três pessoas ficaram feridas e o terrorista se suicidou em seguida, a poucas ruas dali. A polícia ainda não confirmou as motivações do crime, nem se o atirador realmente gritou para que as vítimas “voltassem de onde vieram”, conforme relatos. De qualquer forma, se confirmado que se tratou de nacionalismo, será mais um de vários casos semelhantes. Comentando sobre a tragédia alemã, o editor-chefe da “Deutsche Welle” disse que esses ataques são fruto da mesma semente. “Não importa se o ato foi cometido por um homem mentalmente perturbado, um lobo solitário com intenções assassinas ou por grupo inteiro com motivos fundamentalistas”, escreveu Alexander Kudascheff. “Ele atinge o seio da sociedade livre.”

Os piores efeitos serão sentidos pelos imigrantes estrangeiros que vivem na Europa, mas o restante da população também deve ser prejudicada pelo avanço do radicalismo e do populismo. Todos sentirão na pele a diminuição dos direitos, justificada sob a bandeira do aumento da segurança. O Estado Islâmico sabe que é impossível derrubar uma potência como a Alemanha, mas busca minar a liberdade que a nação conquistou a duras penas depois do fim do nazismo. Caso os populistas da extrema direita vençam a eleição de 2017, os terroristas poderão comemorar, pois terão alcançado seu objetivo.83