NO POSTAL Garoto joga futebol na praia, em frente ao Copacabana Palace, na quarta-feira 4: cidade revestida do espírito olímpico
NO POSTAL Garoto joga futebol na praia, em frente ao Copacabana Palace, na quarta-feira 4: cidade revestida do espírito olímpico (Crédito:João Castellano/Istoé)

Na Avenida Lúcio Costa, em frente à Praia do Pepê, quatro atletas da seleção russa de ciclismo aceleram o ritmo, ultrapassando carros, ônibus e tudo o que estiver pelo caminho. É apenas mais um dia de treino antes da Olimpíada e os pedestres gritam palavras de apoio como se a corrida fosse para valer. Em frente ao Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, torcedores de variadas nacionalidades tiram “selfies” diante das arenas erguidas para os Jogos. No metrô que liga a zona norte à zona sul da cidade, moradores de calças sociais e camisas de manga comprida, provavelmente indo trabalhar, dividem o espaço com turistas de bermuda, chinelo de dedo e máquinas fotográficas reluzentes. A mistura de idiomas é incomum até para os padrões dos cariocas, acostumados a receber estrangeiros. Quando o vagão se aproxima de seu destino, a voz que sai do sistema de som prova que a capital fluminense tem agora uma nova protagonista. “Eu sou o Ricardo Prado, medalhista olímpico de natação. Bem-vindos ao palco dos Jogos Olímpicos 2016.”

FORÇA Soldado do Exército no Rio: 85 mil pessoas fazem a segurança do evento
FORÇA Soldado do Exército no Rio: 85 mil pessoas fazem a segurança do evento (Crédito:David Goldman/AP)

Nas próximas duas semanas, o Rio de Janeiro será o centro do mundo. Para o esporte brasileiro, os Jogos trazem o enorme desafio de tornar o País uma das dez maiores potências olímpicas, conforme a meta estabelecida pelo COB (leia reportagem na pág. 62). Para o País, porém, a Olimpíada representa muito mais. Ela é a chance de resgatar a imagem de uma nação ferida pela crise política e econômica e maltratada pela avalanche de críticas (muitas delas injustas) que o Rio de Janeiro tem recebido. “Li tanta coisa ruim sobre a cidade que vim para o Brasil com a expectativa de encontrar um lugar sujo, com esgoto por todos os lados, e criminosos em cada esquina prontos para assaltar”, diz o velejador espanhol Jordi Xammar. “O que encontrei foi uma cidade linda e que respira a festa olímpica 24 horas por dia.” Mas não existe Olimpíada sem problemas. Na sexta-feira 5, o boxeador marroquino Hassan Saada foi preso na Vila dos Atletas sob a acusação de ter praticado crime de estupro contra duas camareiras brasileiras.

INTERCÂMBIO CULTURAL

CELEBRAÇÃO Centro da cidade, revitalizado e tomado por turistas de todos os cantos do mundo: o Rio é uma
CELEBRAÇÃO Centro da cidade, revitalizado e tomado por turistas de todos os cantos do mundo: o Rio é uma

Antes de embarcar para o Brasil, a canadense Lindsey Craig, 37 anos, ouviu de tudo. As preocupações ao redor eram tantas que, se fosse considerar todas, teria ficado em casa. No Rio há alguns dias, a executiva de comunicação descobriu que a cidade tem, claro, uma série de problemas, mas há exagero na desconfiança. De boné, saia jeans e camiseta regata, que ignoravam o vento forte que anunciava a mudança de tempo no Rio, Lindsey estava ansiosa para encontrar dois brasileiros que conheceu nos Jogos Pan-americanos de Toronto, no ano passado. Ela escolheu se hospedar em Ipanema pela proximidade com a vida noturna agitada e está feliz da vida porque já tem ingressos para partidas de vôlei de praia, vôlei de quadra, futebol feminino e atletismo. A ideia é ampliar suas opções conforme as equipes canadenses forem se classificando. Na semana passada, o comitê organizador atingiu a meta de arrecadação com o valor de R$ 1,045 bilhão obtido com a venda de 4,9 milhões de ingressos, ou 80% do total disponibilizado. Uma em cada quatro entradas é vendida para estrangeiros – a maioria, americanos, franceses, argentinos, alemães e japoneses.

Muitas das críticas que o Rio recebe se devem ao fato de algumas pessoas esperarem da cidade algo que ela não é. O Rio não é Los Angeles, não é Sydney, não é Barcelona, não é Pequim. Em diversos aspectos, é melhor do que essas cidades, que também foram sedes olímpicas. Em outros, é pior. Trata-se, não custa lembrar, de uma metrópole brasileira que encarna muitas das virtudes e mazelas nacionais. Dito isso, o que não se pode ignorar é que o Rio festeja a Olimpíada como poucas cidades fizeram – e jamais farão.

FÉRIAS A executiva canadense Lindsey Craig quer desfrutar da vida noturna e tem ingresso para vários jogos
FÉRIAS A executiva canadense Lindsey Craig quer desfrutar da vida noturna e tem ingresso para vários jogos

Unanimidade entre os turistas estrangeiros, a receptividade dos brasileiros é o item que mais agrada. Escolhendo o melhor ângulo para as fotos que levarão de recordação para Marselha, no Sul da França, o casal Charles Chanut, 67 anos, e Françoise Gargaud, 60 anos, e a irmã de Françoise, Cathy Gargaud, 57 anos, se misturavam em meio aos cariocas que faziam os exercícios cotidianos na Lagoa Rodrigo de Freitas. O trio havia chegado ao Rio com reservas, depois que seguidos atentados terroristas abalaram a sensação de estarem seguros em qualquer lugar do mundo. “A melhor política, nesses casos, é seguir em frente com nossas vidas”, diz o médico aposentado Charles. Pai de Denis Gargaud Chanut, campeão mundial da canoagem slalom e integrante da seleção francesa na Rio-2016, ele diz que basta abrir um mapa para alguém aparecer disposto a ajudar.

FORÇA VOLUNTÁRIA

Se o Rio de Janeiro olímpico é uma festa, boa parte da responsabilidade é dos voluntários que trabalham nos Jogos. São cerca de 50 mil pessoas de todas as classes sociais, idades e nacionalidades espalhadas por toda parte, com suas camisetas amarelas, credenciais no pescoço, sorriso no rosto e disposição para ajudar. No Parque Olímpico, nos dias que antecederam a abertura oficial das competições, o clima de animação era óbvio. Às 23h da quarta-feira 3, após um dia de intenso trabalho, um grupo de oito pessoas, que incluía brasileiros e britânicos, fazia “selfies” em frente aos aros olímpicos perto das arenas cariocas. Um pouco mais tarde, no BRT que deixava o local em direção ao metrô, o ônibus lotado era cenário de conversas em alto volume em pelo menos três línguas: português, alemão e inglês. Na área de estacionamento dos ônibus que fazem o transporte de jornalistas dentro do parque, uma senhora idosa atendia calmamente aos profissionais de imprensa, nem sempre pacientes ou corteses. Como a organização dos Jogos gosta de salientar, sem voluntários não há Olimpíada.

2435-COMP-OLIMP-07

A troca cultural com a cidade é também encorajada pelos chefes de algumas equipes. O velejador Stephen Park, 48 anos, capitão da vela da Grã-Bretanha, diz que abriu espaço na agenda de treinos para que os atletas pudessem aproveitar o Rio e conhecer os anfitriões. “A sensação que a gente tem é que os cariocas estão sempre dispostos a ajudar”, afirma. “Seja dançando na Lapa ou visitando outros pontos da cidade, as pessoas que falam inglês sempre são amigáveis.” A americana Simone Biles, 19 anos, ganhadora de dez ouros em mundiais de ginástica artística, diz estar mais do que satisfeita com o evento até agora. “Isto parece um sonho. Parece que estou esperando para ser acordada. Estamos no Rio”, afirmou. Medalha de bronze em windsurf na Olimpíada de Pequim, a britânica Bryony Shaw, 33 anos, elegeu o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor como seus pontos favoritos. “Fiquei impressionada com a paisagem”, diz. Bryony também passou pelas praias de Saquarema, Barra, Búzios e Niterói para surfar entre os treinos.

Tão carioca que tem até o Cristo Redentor tatuado no braço, a analista de logística Marcella Viviani, 31 anos, montou com um grupo de três amigas uma planilha de Excel para organizar os eventos imperdíveis. A programação inclui shows gratuitos no Boulevard Olímpico montado na Praça Mauá, no centro, que terá nomes como Elza Soares e Paralamas do Sucesso, e a visita a casas temáticas. “Nos últimos meses, o pessoal estava desanimado, na dúvida se apoiava a Olimpíada por causa da crise no Estado”, diz Marcella, que mora em Botafogo e notou nas ruas do bairro um aumento de turistas estrangeiros na semana passada. Para ela, o legado é evidente na revitalização de lugares antes abandonados, como a zona portuária (leia box). “Já estamos vendo uma cidade nova e, agora que a ficha caiu, temos que aceitar que a Olimpíada vai realmente acontecer e torcer para que dê tudo certo”, afirma. “Esse é um momento único, não podemos deixar passar em branco.”

Cidade protegida

Durante toda a semana passada, congestionamentos se formaram nos dois sentidos da Estrada da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro. Policiais fortemente armados paravam todo e qualquer veículo suspeito para uma revista rigorosa. Após vencer esse primeiro “obstáculo”, quem estivesse descendo a via se depararia com veículos e homens do Exército na Avenida Armando Lombardi. Em Copacabana, visão similar: militares armados com fuzis se postavam nas esquinas da região. O Rio, como prometido pela organização dos Jogos, é uma cidade mais segura neste período. O esquema é o maior da história do País: além do efetivo completo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a Olimpíada conta com o reforço de 22 mil homens e mulheres das Forças Armadas e 5 mil agentes da Força Nacional. No total, até o dia 18 de setembro, quando termina a Paralimpíada, 85 mil pessoas trabalharão na segurança do evento.

DIVERSÃO Balada na zona portuária revitalizada: dezenas de eventos ao longo dos Jogos
DIVERSÃO Balada na zona portuária revitalizada: dezenas de eventos ao longo dos Jogos (Crédito:João Castellano/Istoé)

A festa já começou

Degradada nas últimas décadas e revitalizada por causa da Olimpíada, a zona portuária é a nova queridinha de turistas e cariocas. De um lado, o Museu do Amanhã convida a fotografar suas curvas brancas. De outro, um grafite de 3 mil metros quadrados assinado por Eduardo Kobra, o maior mural urbano do mundo, dá ao local cores que ele nunca teve. Entre eles, o VLT circula silenciosamente. Transformados em espaços culturais, os antigos armazéns dão espaço para patrocinadores e símbolos esportivos como o da NBA, liga americana de basquete. Um deles, o Espaço Rio de Janeiro, que tem apoio da ISTOÉ, promove palestras para empresários interessados em investir no Brasil. De noite, os armazéns e os arredores preenchidos de casas noturnas recém-inauguradas são cenários para algumas das festas mais concorridas da cidade. Durante os Jogos, serão muitas pelo Rio todo. Até o dia 21, só a promoter Carol Sampaio, madrinha do Time Brasil, será responsável por 46 eventos. “Vi muito estrangeiro andando de um lado para o outro e é tão gostoso ver a cidade assim. É meia-noite e as ruas estão cheias.”

Colaboraram Eliane Lobato e Igor Costa