FLÁVIA RIBEIRO: ENTRE OBJETO E SER/ Galeria Marcelo Guarnieri, SP/ até 25/7

Endógeno é um processo de metamorfose que ocorre no interior de um planeta, ou lua. Em biologia, é aquilo que que se origina, desenvolve ou reproduz a partir do tecido interno de um órgão ou organismo. Estamos falando de interiores. No trabalho recente de Flávia Ribeiro, endógenos são estruturas em bronze, vazadas ou não, que sustentam objetos pendulares em bronze ou estanho. “Endógeno/ Exógeno” (2016), a série de desenhos em guache e ecoline sobre papel canson que parece funcionar como a base de sustentação da exposição “Entre Objeto e Ser”, pode ser lida como uma dissertação sobre o intrínseco que se revela ao exterior.

Obras recentes de Flávia Ribeiro incluem “Pré Objeto” (Crédito:Divulgação)

As estruturas vazadas que se demoram nos 22 desenhos ganham corpo escultórico em uma série de bronzes denominada “Pré-objetos” (2016). Se poderia pensar no desenho como projeto da escultura, mas não. “Meus desenhos não são pré, são todos posteriores aos objetos”, diz a artista. Não há nada mais sólido na poética de Flávia Ribeiro do que o desenho. É tão determinante do processo, que os “pré-objetos” tem a inegável solidez da matéria do bronze, mas parecem dar um passo atrás em direção ao desenho. Dão essa sensação porque são feitos de perímetros, de segmentos que apenas delineiam objetos vazados.

“O pré-objeto é um corpo a ser constituído”, diz Flávia Ribeiro. Não é casa, não é carro, não é cama, como poderiam sugerir as mentes afeitas à figuração. São corpos vazios, sem fatores internos. Sem significante da ordem das coisas do mundo. Compostos em duplas, trios ou solitários, pousados sobre tecidos de cores quentes, os pré-objetos se comportam como corpos afetivos. Tem menos significado como objetos do que como intenções: expressam elos, associações, afetos, contenções.

Quando às esculturas em bronze se juntam os tecidos em cores quentes – vermelho, amarelo, laranja – os pré-objetos parecem dar um passo adiante em direção à pintura. “Os veludos tem as cores de meus órgãos internos”, diz Flávia. Mais uma vez, estamos falando de interiores.

“Endógeno com Vermelho” (Crédito:Divulgação)

A exposição na galeria Marcelo Guarnieri, em São Paulo, tem ainda um conjunto de imagens que a artista declina em chamar de “fotografias”. Prefere definir simplesmente como “impressão jato de tinta pigmentada sobre papel 100% algodão”. Nelas, uma figura de costas, vestida de preto, se amalgama ao fundo escuro. Nesta diluição, deixa de ser figura, deixa de ser cor (o preto é a ausência de cor) e passa a ser só textura. Volta a ser desenho, que é a matéria mais sólida da poética de Flávia Ribeiro.

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Roteiros
De indigenista a metafísico

VICENTE DO REGO MONTEIRO – NEM TABU, NEM TOTEM/Galeria Almeida e Dale, SP/ até 29/7

Em continuidade ao projeto de revisar a história da arte moderna brasileira, lançando luz a artistas tanto icônicos quanto preteridos, a galeria Almeida e Dale apresenta uma retrospectiva do modernista Vicente do Rego Monteiro (1899-1970). A curadoria, de Denise Mattar, é resultado de extensivo garimpo por acervos de museus e coleções particulares de São Paulo, Rio, Recife, Fortaleza e Salvador. Não se trata, portanto, de exposição comercial, mas parte de uma importante ação institucional da galeria, sempre acompanhada de consistentes publicações bilíngues que cumprem papel de documentação da arte brasileira.
O livro-catálogo e a exposição apresentam momentos significativos da trajetória do artista nascido do Recife. Desde os trabalhos do início da década de 1920, quando participa – “por acaso”, ressalta a curadora – da Semana de Arte Moderna de São Paulo, até o retorno ao realismo e à temática religiosa, nos anos 1940, depois de passar por experiências de certo viés cubista ou surrealista.

Ainda que estudante em Paris, onde bebeu da fonte das vanguardas, Rego Monteiro é lembrado pela história da arte por seu pioneirismo na sensibilidade às raízes brasileiras. Suas fases apontadas como mais importantes pela historiografia é a leitura que realiza das lendas amazônicas utilizando-se de pincéis art déco, entre 1923 e 1925; e a etapa imediatamente posterior, em que ganha destaque o caráter escultórico de sua pintura. Mas a exposição acrescenta muita informação ao trazer à tona trabalhos intrigantes, de certo parentesco com a metafísica do italiano Giorgio De Chirico, seu contemporâneo. Entre eles, “O Abraço”, “Diana” e “Moderna Degolação de São João Batista”. PA

 

 

 


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