DINHEIRO NO CAIXA: O governo federal vai dividir os recursos com Estados e municípios
DINHEIRO NO CAIXA: O governo federal vai dividir os recursos com Estados e municípios

ecopnomia

O governo Michel Temer comemorou semana passada o seu primeiro grande acerto na área econômica. Em tempos de crise, chamaram a atenção os resultados da Lei de Repatriação, que permite regularizar ativos mantidos no exterior. Segundo a Receita Federal, a arrecadação com multas e impostos totalizou R$ 50,9 bilhões, dinheiro que, segundo especialistas, vai aliviar o vermelho das contas públicas. Melhor ainda: o valor superou as projeções feitas por Jorge Rachid, chefe da Receita, que esperava um reforço de no máximo R$ 50 bilhões no caixa. O montante total dos ativos regularizados chegou a R$ 169,9 bilhões. “Em um quadro de penúria fiscal, trata-se de uma receita extraordinariamente importante”, diz Antonio Corrêa de Lacerda, professor de Economia Política da PUC-SP. Na prática, o governo federal ficará com R$ 38,5 bilhões, que serão utilizados principalmente para cumprir a meta de resultado primário de 2016. A outra fatia do montante arrecadado será dividida entre Estados e municípios, que enfrentam enormes dificuldades financeiras.

A ideia de trazer para casa dinheiro aplicado fora do País surgiu em 2015, no âmbito do ajuste fiscal. Em troca, os contribuintes que mantinham no exterior, de maneira ilegal, valores obtidos de forma lícita seriam anistiados de crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal. “Ter o dinheiro legalizado de uma hora para a outra representa uma enorme tranquilidade para as pessoas, mesmo sendo necessário deixar uma pequena parte em impostos”, diz o economista André Sacconato, da Brain Brasil Investimentos e Negócios. “Para o governo, não há dúvida de que dezenas de bilhões de reais vieram a calhar.” De acordo com a Receita, mais da metade dos recursos (52%) chegaram dos Estados Unidos, seguidos por Ilhas Cayman (23%) e Reino Unido (5,7%).

Para entender a repatriação

• A Lei nº 13.254, promulgada em 13 de janeiro de 2016, dá anistia para crimes fiscais (desde que não exista condenação criminal contra o contribuinte)

• Os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil tiveram 210 dias para aderir ao programa (o prazo terminou na segunda-feira 31)

• Imóveis, veículos, aeronaves, depósitos bancários, fundos de investimento, instrumentos financeiros e depósitos em cartões de crédito estão entre as posses que tiveram que ser declaradas

Acordo internacional

Para os 25 mil brasileiros que ingressaram no programa, o momento era mesmo oportuno. A partir de 2018, de acordo com uma resolução da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a troca de informações fiscais entre 97 países (inclusive o Brasil) será automática. Como resultado da cooperação internacional, detectar sonegadores ficará mais fácil. Em vez de correr o risco de sofrer sanções, o investidor prefere trazer o dinheiro de volta para o território brasileiro, mesmo que, para isso, desembolse multas e impostos. “Trata-se de uma legislação forçada pelos EUA que acaba beneficiando a Receita brasileira”, afirma Istvan Kasznar, professor de Economia e Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. “É bom lembrar que o cidadão que remeteu seu dinheiro ao exterior nem sempre faz isso para cometer um crime, mas por não confiar no Brasil.” De certa forma, o volume significativo de recursos repatriados mostra que muita gente voltou a acreditar no País.

Os números comprovam o sucesso do programa brasileiro. Para efeito de comparação, recentemente os Estados Unidos arrecadaram US$ 8 bilhões em seu projeto de repatriação, uma ninharia perto das centenas de bilhões de dólares que cidadãos americanos possuem em paraísos fiscais. Na semana passada, um sorridente Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, reforçou a intenção do governo em realizar uma nova fase de repatriação, desta vez em fevereiro do ano que vem. “Para a Fazenda, quanto mais receita, melhor”, brincou Meirelles. Segundo cálculos do governo, outros R$ 30 bilhões podem entrar nos cofres públicos. “O potencial desse programa é maior do que foi arrecadado até agora e esse momento deve ser aproveitado”, afirma o professor de Finanças do Ibmec/RJ, Gilberto Braga. “O Brasil pode pensar em ampliá-lo, desde que com outro tipo de tributação, mais elevada, para trazer mais recursos e injetá-los na economia”.

Nos últimos dias, a economia brasileira deu novos sinais de que o pior da crise já passou. O Índice de Confiança do Consumidor, indicativo fundamental do grau de otimismo dos brasileiros, atingiu o melhor nível em quase dois anos e alguns setores até melhoraram os seus índices de emprego. De acordo com o Sebrae, em agosto e setembro as pequenas empresas criaram 6,6 mil postos de trabalho. Em um cenário de desemprego generalizado, a notícia traz algum alento.

“Em um quadro de penúria fiscal, trata-se de uma receita extraordinariamente importante”
Antonio Corrêa de Lacerda, professor de Economia Política da PUC-SP

Fotos: Stockphotos; Dida Sampaio/Estadão