3

Hillary Clinton começou a campanha para a Presidência dos Estados Unidos, há um ano e meio, como uma candidata imbatível. Então com 67 anos, a ex-primeira-dama ostentava um currículo com passagens pelo Departamento de Estado e pelo Senado americanos, e carregava o desejo de ser a primeira mulher a ocupar a sala principal da Casa Branca. Por causa da idade, ela dava a entender que essa seria a sua última tentativa de chegar lá. Durante a campanha, no entanto, a democrata deu alguns tropeços. Bernie Sanders foi um competidor mais persistente do que se imaginava dentro de seu próprio partido, o escândalo do uso de um servidor privado de e-mails quando era Secretária de Estado nunca foi totalmente esclarecido, o atentado à Embaixada dos EUA em Benghazi, Líbia, em 2012, tampouco, e Hillary teve dificuldades em se conectar com os jovens. Mas foi na semana passada que ela alcançou o ponto mais crítico da corrida presidencial e que pode culminar na grande virada de Donald Trump, seu adversário. Detalhe: tudo começou com uma tosse.

No início do mês, durante um comício, Hillary interrompeu o discurso por um ataque de tosse de 30 segundos. Saiu-se com um “toda vez que penso em Trump, me dá alergia” e o episódio passou despercebido para a maior parte do público. Até que, na cerimônia dos 15 anos dos atentados de 11 de setembro, no domingo passado, a democrata passou realmente mal. Foi embora do evento depois de uma hora e meia e, cambaleante, precisou da ajuda de agentes do Serviço Secreto para entrar numa van. O vídeo com a cena circulou pelas redes sociais, sem nenhum comunicado de seus assessores, por tempo suficiente para que boatos de todo tipo se espalhassem. Talvez os opositores mais sensacionalistas, que, há tempos, dizem que Hillary esconde uma doença mais grave (ela sofreu um concussão cerebral e descobriu um coágulo entre o cérebro e o crânio há quatro anos), estivessem certos. A primeira explicação foi de que ela tinha passado mal pelo calor – e não colou porque a temperatura não chegou a 30º C em Nova York naquele dia. Mais tarde, a médica da candidata publicou um relatório dizendo que Hillary estava com pneumonia e, desde a sexta-feira 9, vinha tomando antibióticos.

Nos últimos dias, os americanos começaram a se perguntar por que Hillary não abriu o jogo antes. A hesitação em falar abertamente sobre determinados assuntos (como a relação da Fundação Clinton com banqueiros) já fazia com que parte do eleitorado rechaçasse a candidata. Uma pesquisa do instituto Gallup, publicada em fevereiro, mostrou que “desonesta” era a palavra mais associada a Hillary. Transparência, afinal, é item fundamental para qualquer campanha política, especialmente nos EUA, onde os limites entre público e privado são ainda mais porosos que no Brasil ou na Europa. E a falta de confiança na democrata é evidente. Mais da metade dos americanos entrevistados pelo instituto Morning Consult na semana passada diz que Hillary não é transparente nas declarações sobre sua saúde e 71% acreditam que os candidatos devem fornecer informações sobre o assunto.1

E Trump?

2

Enquanto a democrata tirava alguns dias de repouso, o sempre extravagante Trump, de 70 anos, foi a um programa de tevê de sucesso, Dr. Oz, falar sobre sua própria saúde. Considerado por seu médico “o homem mais saudável a presidir os EUA” se eleito, no único documento que havia divulgado até então, Trump se declarou sedentário e disse que toma um remédio para controlar o nível de colesterol. Distribuído no mesmo dia da gravação de Dr. Oz com o republicano, um relatório assinado pela médica de Hillary dizendo que ela é “saudável e apta” a ser presidente pode ter chegado tarde demais. Uma pesquisa publicada pelo jornal The New York Times e a CBS News na quinta-feira 15 mostrou os dois virtualmente empatados nacionalmente. Mais importante do que isso, Trump virou o jogo em Estados-chave e agora aparece na frente em lugares como Ohio e Flórida, onde Hillary manteve a liderança por meses. Seria irônico se Trump, que nunca nem divulgou o quanto paga de imposto de renda, fosse eleito pela falta de transparência de sua adversária.

Fotos: Justin Sullivan/Getty Images/AFP; Brendan Mcdermid/Reuters