“Creio na inocência de meu pai, mas ele teve grande responsabilidade como presidente ao ter permitido que atos de corrupção acontecessem” - Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, durante campanha presidencial
“Creio na inocência de meu pai, mas ele teve grande responsabilidade como presidente ao ter permitido que atos de corrupção acontecessem” – Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, durante campanha presidencial

Foi por pouco – de novo. Em 2011, a diferença entre os votos dos dois candidatos à Presidência do Peru foi de três pontos percentuais. Cinco anos depois, foi ainda mais apertado: menos de 40 mil votos impediram Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, de assumir o comando do país. A apuração ao longo da semana passada foi disputada voto a voto, mas, na quinta-feira 9, quando os analistas apontavam para um resultado irreversível (ainda que a contagem não tivesse acabado), a vitória do economista liberal Pedro Pablo Kuczynski (PPK) com 50,12% dos votos era dada como certa. Por mais semelhantes que sejam as propostas dos candidatos, ambos da direita, com ênfase para o comércio exterior e a Aliança do Pacífico, o resultado teve dimensão histórica. Kuczynski, afinal, derrotou o “fujimorismo”, que ainda é a corrente política mais importante do país andino. É consenso entre os analistas que o que desequilibrou a eleição foi o voto antifujimorista – e nisso o apoio da esquerdista Verónika Mendoza, que ficou em terceiro lugar, foi fundamental.

“Havia uma preocupação com a concentração extrema de poder e a hipótese de Keiko repetir a história de seu pai”, afirma o cientista político peruano Enrique Amayo Zevallos, professor de História Econômica e Estudos Internacionais Latino-Americanos da Unesp. Afinal, o partido fundado pela filha do ex-ditador, Força Popular, ganhou musculatura nos últimos cinco anos e obteve, em abril, a maioria absoluta do Congresso: 73 dos 120 assentos. A coligação de PPK, Peruanos pela Mudança, conseguiu apenas 18. “Caso ela se elegesse, teríamos todas as condições para uma ditadura que nasceria de um processo democrático”, diz Zevallos. O temor ainda maior seria o de Keiko libertar o pai, que governou o Peru entre 1990 e 2000 e que, desde 2005, está preso por violações dos direitos humanos e crimes de corrupção. Há três anos, ela e o irmão, o deputado Kenji Fujimori, pediram ao presidente Ollanta Humala um indulto humanitário a Alberto, mas o recurso foi negado.

2427-ECO-PERU-INFO

A resistente popularidade do fujimorismo remete à memória de um governo que combateu dois grandes problemas que os peruanos enfrentavam nos anos 90: a hiperinflação e a violência política. Segundo Julio Carrión, co-autor do livro “The Fujimori’s Legacy: The Rise of Electoral Authoritarianism in Peru” (“O Legado de Fujimori: a ascensão do autoritarismo eleitoral no Peru”, em tradução livre para o português), o ditador, embora tenha chegado ao poder pelos votos dos mais pobres, conseguiu atrair o apoio político de todas as classes sociais ao fim de seu primeiro mandato. “Jornais influentes apoiaram fortemente suas reformas pró-mercado, o que facilitou que ele estabelecesse laços com o empresariado”, escreveu Carrión. Essas reformas incluíram a privatização de minas e empresas de telefonia, além da criação de um sistema nacional de previdência privada. O outro fundamento do apoio popular coube à guerra que Fujimori empenhou contra o Sendero Luminoso, grupo maoísta que realizava atentados terroristas. “Em janeiro de 1992, 43% dos peruanos aprovavam suas políticas antiterror, mas em dezembro daquele ano, um mês depois da captura de Abimael Guzmán, líder dos guerrilheiros, o índice foi para 66%”, diz. “Em dezembro de 1993, oito em cada dez moradores de Lima aprovavam a política.”

Foi em nome dessa luta contra os guerrilheiros que Alberto Fujimori perpetrou seus maiores excessos. Durante a campanha presidencial, Keiko afirmou que o pai cometeu erros, mas nunca reconheceu seus crimes. Ele, hoje com 77 anos, foi condenado por massacres como no subúrbio de Barrios Altos, em Lima, onde 15 pessoas, inclusive uma criança de oito anos de idade, foram assassinadas durante um churrasco em 1991, e o da Universidade de La Cantuta, também na capital, onde um professor e nove alunos foram sequestrados e mortos no ano seguinte. Apesar de muito jovem, Keiko teve papel relevante no governo. Depois do divórcio de seus pais, ela assumiu o cargo de primeira-dama, aos 19 anos. A herdeira fujimorista, no entanto, tem que lidar agora com seus próprios escândalos. Em maio, a poucas semanas do segundo turno, um ex-colaborador do departamento do governo americano de combate ao narcotráfico (DEA, na sigla em inglês) afirmou num programa de tevê que o órgão investigava Joaquín Ramirez, secretário-geral da Força Popular. Numa gravação, Ramirez afirmava ter lavado 15 milhões de dólares na campanha de 2011. Mas o novo presidente, PPK, tampouco tem uma biografia ilibada. O economista, que já passou pelo Banco Mundial e pelo Banco Central do Peru, se viu envolvido, há dois meses, no caso Panamá Papers, que investiga informações de pessoas e empresas que mantêm recursos em paraísos fiscais.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias