A Mão do Povo Brasileiro, 1969/2016/ MASP/ até 29/1/2017

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Como um estudo critico sobre uma exposição ocorrida no passado pode ser uma ponta de lança para o futuro de uma instituição? Este é o projeto do Museu de Arte de São Paulo (Masp) com a mostra “A mão do Povo Brasileiro”, 1969/2016, em cartaz até o final de janeiro de 2017. A reencenação da exposição curada por Lina Bo Bardi em 1969 como mostra inaugural do edifício do Masp na Avenida Paulista integra um programa de revitalização do museu a partir do resgate de suas premissas inaugurais. Com esse gesto – que inclui a retomada da expografia do acervo permanente com os cavaletes de vidro desenhados por Lina Bo –, a instituição procura recolocar seu papel na ordem do dia.

Embora questionada por setores da crítica paulista, a iniciativa se sustenta sobre o compromisso de relacionar uma mostra icônica da história do museu com a produção artística atual – apresentando projetos de Jonathas de Andrade e Thiago Honório – e com propostas contemporâneas ao projeto de Lina Bo, como o filme “A Mão do Povo”, realizado por Lygia Pape em 1975. Com o lançamento do catálogo, previsto para início de dezembro, procurará preencher a lacuna de uma documentação e uma reflexão crítica de “A Mão do Povo Brasileiro” que, em seu tempo, não deixou outros registros além de cerca de 50 fotografias.

“Realizamos um trabalho de arqueologia a partir dessas fotografias, de uma listagem incompleta de empréstimos de obras e uma planta arquitetônica, feita em pesquisa acadêmica posterior à exposição”, diz à Istoé Tomás Toledo, que assina a curadoria da mostra ao lado de Julieta González e Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp.

A exposição atual conta com 975 trabalhos, dos quais 44 participaram da mostra original. A curadoria trabalhou com a reapresentação de “tipologias” definidas por Lina e não necessariamente dos mesmos objetos. Afinal, quase 50 anos anos nos separam de 1969 e muitas coleções de onde as peças foram emprestadas se dissolveram nos anos 1980 e 1990. Na mostra, há todo tipo de objeto feito pela “mão do povo”: de culto, de festa, de trabalho, de uso cotidiano, de adorno. “São sempre objetos utilitários, fruto do trabalho humano. Estamos trabalhando com a não-distinção que Lina fazia entre arte e artefato”, diz Toledo.

Mas contra-argumentando sentimentos de saudosismo que a remontagem possa gerar, a curadoria ressalta os efeitos que a revisão de “A Mão do Povo” vem produzir sobre a coleção do Masp. Um deles é a assimilação de Agostinho Batista de Freitas ao acervo, um artista marginal ao cânone do modernismo brasileiro, que embora estivesse na curadoria de Lina Bo, não dividia com Degas, Cézanne, Goya, Portinari, Anita Malfatti etc, etc a honra de figurar na sala dos cavaletes de vidro.

Agostinho Batista de Freitas, o único pintor identificado na curadoria original, hoje figura no acervo dos cavaletes com um quadro que pintou de uma vista do edifício do Masp. Com isto, o museu afirma seu intuito de retirar desses artistas a pecha de “arte bruta” ou de “arte ingênua”. Além disso, Agostinho será homenageado na próxima mostra individual histórica, depois de Portinari. Outro sinal evidente da reescritura da história da arte foi o recente posicionamento de urnas marajoaras diante dos mestres do renascentismo italiano. Por que não seria esta uma forma de apontar a lança para o futuro?