Há muito José Dumont vem fornecendo alma ao cinema de Eliane Caffé. No potente Era o Hotel Cambridge, ele faz a ligação entre os vários grupos representados na tela – sem-teto, refugiados etc. E é genial, como sempre. O Brasil das ocupações urbanas em São Paulo pulsa na tela. Havia grandes filmes na seleção da Première Brasil 2016. Hotel Cambridge foi um deles, na categoria ficção. Divinas Divas, outro, na de documentários.

Elas, as divinas divas, são travestis e transgêneros que, nos anos 1960 e 70, em plena ditadura (cívico-)militar, iniciaram um movimento por reconhecimento humano e social. Guerreiras – Rogéria, a mais conhecida de todas, proclama-se, no filme, “a travesti da família brasileira”. Divinas Divas assinala a estreia da atriz Leandra Leal na direção. As travestis e Leandra, tal como ela as conheceu no Teatro Rival, de seu avô, na Cinelândia. Hotel Cambridge e Divinas Divas foram os melhores filmes da competição no Rio, que terminou no domingo, 16. Levaram os prêmios do público. Foram ignorados, ou quase, pelo júri oficial. Lili Caffé agradeceu a Zé Dumont. “Ele fez a passagem, foi quem atraiu o público.”

Crítico e curador da Semana da Crítica no Festival de Cannes, o francês Charles Tesson foi a presença internacional no júri do Rio, também integrado pelo ator Rodrigo Santoro e pelas diretoras Maria Augusta Ramos e Sandra Kogut. Promoveram um loteamento raramente visto na Première Brasil. O júri outorgou seu prêmio especial a Redemoinho e o de montagem a Hotel Cambridge. Ignorou Divinas Divas, que, além do público, ganhou o Prêmio Félix de documentário, para o melhor filme de temática GLBT. O júri dividiu tudo – na categoria de ficção, melhor filme para Fala Comigo, de Felipe Scholl, e direção para Cristiane Oliveira, por Mulher do Pai. Na de documentário, melhor filme para A Luta do Século, de Sérgio Machado, e melhor direção para Sérgio Oliveira, por Super Orquestra Arcoverdense.

O prêmio de melhor ator foi rateado entre três – Nelson Xavier, por Comeback, de Erico Rassi, e Júlio Andrade, por dois filmes (dois!), Redemoinho e Sob Pressão, de Andrucha Waddington. Até no prêmio de fotografia, o júri não conseguiu se decidir, dividindo o Redentor entre Heloisa Passos, por Mulher do Pai, e Fernando Lockett, por Super Orquestra. Foi uma bela Première Brasil, com filmes polifônicos sobre a realidade brasileira, mas, se fosse para escolher um só título, seria Pitanga, de Beto Brant e Camila Pitanga, que passou fora de concurso, sobre o pai dela. Genial. E vem aí para a Mostra.