O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é um homem que divide o país. De um lado, a base muçulmana conservadora exalta a aproximação com o islamismo e o milagre econômico turco. De outro, os que o enxergam como ditador criticam a repressão a opositores. No domingo 16, Erdogan venceu um referendo histórico sobre a revisão constitucional que reforça seus poderes e muda os rumos da Turquia, distanciando-a da União Europeia e, quiçá, da democracia. Em uma disputa acirrada, 51,3% dos turcos disseram “sim” à reforma proposta pelo presidente. Com a vitória, a Turquia deixa o atual sistema parlamentar para tornar-se uma república presidencialista. Erdogan, que passará a acumular inúmeras atribuições legislativas e poderá indicar a maioria dos juízes às altas cortes do sistema judiciário, tem a chance de permanecer no poder até 2029, ao final de três possíveis mandatos consecutivos – um sultanato de longo prazo.

Erdogan chegou ao poder como primeiro-ministro em 2003, quando era líder do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento). À época, a Turquia passava por uma grave crise econômica – em 2001, o nível de desemprego chegou ao maior patamar em duas décadas. Sob o comando de Erdogan, no entanto, o país se tornou a estrela em ascensão do Oriente Médio. Apostando no mercado interno, o país triplicou sua renda per capita em menos de uma década. Ele também se aproximou da maioria religiosa e conservadora do país que, repreendida por uma elite mais ocidentalizada e laica, o viu como libertador.

Repressão

Mais tarde, a inclinação para o lado muçulmano deixou a classe média descontente. Diante de críticas e protestos, Erdogan mostrou sua face autoritária. Em 2013, quando a população foi às ruas gritar contra a remodelação do Parque Gezi, muitos turcos laicos juntaram-se às manifestações para protestar contra suas inclinações islâmicas, mas foram reprimidos pela polícia. A escalada de violência ganhou força depois da tentativa de golpe militar, em julho de 2016, quando Erdogan convocou a população às ruas. Desde então, com o país em estado de emergência, o governo passou a açodar seguidores do clérigo Fethullah Gulen, a quem o presidente culpa pelo golpe. Cerca de 45 mil pessoas acabaram detidas e outras 130 mil foram removidas de suas funções públicas. À imagem de ditador, somou-se o declínio dos resultados econômicos da Turquia: no ano passado, o PIB cresceu 2,9% em relação ao ano anterior, bem abaixo de 2015. Ainda que tenha conseguido uma importante vitória no referendo, a popularidade de Erdogan é questionada. “Cada vez que se sente ameaçado, ele sobrevive com o apoio popular. Olhando para o referendo, o que não é claro é se esse apoio ainda está lá”, afirma André Barrinha, professor de relações internacionais da Canterbury Christ Church University.

O referendo sofreu críticas desde o início das campanhas. Com a imprensa controlada pelo governo, a oposição teve liberdade limitada. Agora, com o fim do cargo de primeiro-ministro, Erdogan poderá escolher os membros do gabinete, o vice-presidente e outros servidores que se reportarão diretamente a ele. Ele também deve indicar a maioria dos juízes das altas cortes do sistema jurídico turco, em um regime que se assemelha cada vez mais ao de Nicolás Maduro, na Venezuela, que, inspirado pelo chavismo, aparelha e controla todas as instituições.

referendo Em campanha desigual, Erdogan faz comício pelo “sim”
REFERENDO Em campanha desigual, Erdogan faz comício pelo “sim”

A vitória do “sim” deve deixar a Turquia mais distante do bloco europeu. Em seu discurso de vitória, Erdogan voltou a falar da volta da pena de morte no país, o que ofende uma das condições para se tornar membro da UE. “Erdogan cruzou várias linhas vermelhas e já deixou de estar em conformidade com os Critérios de Copenhagen [regras que definem se um país é elegível para aderir à UE]”, afirma Steven Blockmans, do Centro de Estudos de Políticas Europeias.

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A adesão, no entanto, interessa aos dois lados. A grande preocupação da União Europeia é a manutenção do acordo de imigração, no qual a Turquia acolhe refugiados da Síria e impede que sigam para o continente europeu. Porém, segundo Stefani Weiss, do Centro de Estudos Bertelsmann Stiftung, Erdogan parece ansioso para virar as costas à Europa e aos seus valores. “A mensagem de Erdogan é que ele não precisa da UE.”

O que mudou na Turquia após o referendo

1. Com o fim do parlamentarismo, não haverá mais cargo de primeiro-ministro
2. O presidente eleito terá um mandato de cinco anos e apenas uma possibilidade de reeleição
3. Ele poderá sofrer um impeachment se aprovado pelo Parlamento. Atualmente, o presidente só é processado pelo Legislativo se cometer traição
4. O número de membros do Parlamento aumentará de 550 para 600
5. A idade mínima para ser deputado baixará de 25 para 18 anos
6. O presidente poderá nomear maioria dos juízes para as altas cortes jurídicas do país


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