Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, perdeu o seu mais culto, qualificado e intelectualmente refinado leitor: Antonio Candido de Mello e Souza, 98 anos, também ele um dos maiores escritores e principal crítico literário do Brasil, morreu em São Paulo na madrugada da sexta-feira 12. Há seis anos, em entrevista a ISTOÉ, foi-lhe indagado o que andava lendo. A resposta brotou-lhe imediata, em meio ao sorriso que sempre trazia nos lábios a traduzir a eterna sinceridade do pensador e a eterna juvenilidade da alma (os justos têm essa juvenilidade): “Atualmente só releio Machado de Assis”. Assim respondeu o homem que àquela altura da vida já havia criticamente devorado cerca de nove mil títulos entre nacionais e estrangeiros, e se aprofundado na reflexão de todos eles. Não sem razão, portanto, pode-se afirmar que, ao perder Antonio Candido, perdemos uma grande referência de nosso pensamento literário, cultural e social.

A trajetória acadêmica

Antonio Candido foi para as letras o mesmo que Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda significaram para a antropologia, sociologia e história: a explicação definitiva do Brasil para os próprios brasileiros. Em seu caso, o marco a clarear a nossa identidade cultural (e em parte a formação ideológica dessa cultura, resgatada posteriormente pelo historiador Carlos Guilherme Motta), deu-se em 1959 com o lançamento de seu clássico “Formação da Literatura Brasileira” – e dele é decorrência natural outra obra-prima, dessa vez no campo da sociologia: “Os Parceiros do Rio Bonito” (1964), detalhado e original estudo sobre “o caipira paulista e sua transformação ao longo do tempo”.

Antonio Candido nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, e passou parte da infância em Minas Gerais, São Paulo e França. No final dos anos 1930 começou os cursos de Direito, Filosofia e Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. Pouco depois, na década de 1940, deu início a sua trajetória de crítico literário, revolucionando o que se tinha até então nessa área e colocando o Brasil no centro da reflexão. Tornou-se em 1974 professor titular de teoria literária e literatura comparada, na mesma USP, e conquistou quatro vezes o Prêmio Jabuti, o mais conceituado do País no campo das letras. Apesar de toda essa consagração e de seu mérito, ele trazia sempre a humildade de querer aprender mais, nunca se acomodou à fácil fórmula de criação intelectual, que o poeta João Cabral de Mello Neto chamava de “acostumar-se ao calo do sucesso” – de fato, Machado de Assis perdeu o seu mais culto leitor; e nós perdemos o nosso mestre maior das Letras.

Antonio Candido foi para a literatura o mesmo que Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda significaram para a sociologia e a história: a explicação definitiva do Brasil para os próprios brasileiros