Há quase quatro anos como procurador-geral da República e restando-lhe pouco mais de um mês para deixar o cargo, o outrora jactante Rodrigo Janot agora exibe um semblante sorumbático. Janot deverá encerrar o ciclo no acento mais alto da Procuradoria-Geral da República (PGR) de maneira melancólica. Nos estertores do seu mandato, o chefe do Ministério Público Federal viu o plano que ele próprio urdiu para dar seguimento ao modelo de trabalho implantado na entidade naufragar no meio do caminho, após a escolha da rival Raquel Dodge pelo presidente Michel Temer para substituí-lo. Depois, sofreu outra derrota, quando a Câmara derrubou a denúncia de corrupção contra Temer baseada apenas na esquálida delação premiada de Joesley Batista, o que deflagrou uma enxurrada de questionamentos sobre as colaborações premiadas celebradas no âmbito da PGR, algumas delas de dentro do próprio MPF. O mais fragoroso revés, no entanto, ocorreu na quinta-feira 10, quando o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou, por considerar “desnecessária”, a inclusão do presidente Temer como formalmente investigado no inquérito do chamado quadrilhão, que apura uma suposta organização criminosa formada por membros do PMDB no âmbito da Lava Jato. Foi como se o troféu de Janot lhe escapasse por entre os dedos.

Na terça-feira 8, numa ação sem paralelo na história, a defesa do presidente Temer já havia pedido a Edson Fachin o afastamento de Janot do inquérito que investiga o presidente por “suspeição”. Para o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, a atuação do procurador é motivada por questão pessoal. “Já se tornou público e notório que a atuação do procurador-geral da República, em casos envolvendo o presidente da República, vem extrapolando em muito os seus limites constitucionais e legais inerentes ao cargo que ocupa”, argumentou o defensor de Temer. Talvez não seja ncessário o julgamento do pedido, já que o mandato do procurador se encerrará em 17 de setembro.

Enfraquecido, o procurador-geral tem se tornado vidraça. A primeira pedra foi desferida contra a metodologia de trabalho do atual chefe do Ministério Público – classificada como “açodada” pelo meio jurídico. O ataque foi catapultado pelo ministro do STF, Gilmar Mendes. Em uma de suas declarações, classificou o Janot de o “procurador mais desqualificado da história”. Outra crítica sobre a atuação do PGR refere-se à forma como ele lida com as informações obtidas nas delações premiadas. O procurador recebe a pecha de “indisposto”, pois não se aprofunda nas investigações antes de celebrar os acordos. Mesmo sem checar a veracidade das provas, ele faz pedido de abertura de investigação contra autoridades envolvidas na Lava Jato ou, até mesmo, recomenda a prisão contra os suspeitos, só com base nos depoimentos e gravações descontextualizadas.

SOB MEDIDA Despacho de Janot possibilitou que ele conseguisse alugar um imóvel por R$ 4 mil ao procurador Blau Yassine Daloul (abaixo)

Auxílio moradia que permitiu que Janot alugasse um imóvel a colega do MP foi instituído por ele próprio

Caso emblemático foi a delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Com base na gravação de Machado, Janot chegou a pedir a prisão de Renan Calheiros (PMDB-AL), do ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) e do senador Romero Jucá (PMDB-RR) por conspirarem contra a Lava Jato. O áudio da conversa com os caciques peemedebistas rendeu a Machado benefícios do acordo de colaboração, como o de não passar um dia sequer atrás das grades, mesmo tendo confessado ter desviado cerca de R$ 100 milhões para aliados políticos. Mas a Polícia Federal concluiu que a delação do ex-presidente da Transpetro se revelou ineficaz. “Não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados”, resumiu a delegada Graziela Machado da Costa e Silva. Não seria a única delação endossada por Janot recheada de fios desencapados. A da JBS virou um emaranhado de problemas. O mais recente deles foi a descoberta de que o procurador Marcelo Miller atuou como advogado do grupo J&F apenas seis dias depois de ter sido exonerado do cargo no MP Federal. Ele só poderia ocupar cargo privado em três anos.

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Apartamento

Não bastasse a coleção de dissabores, Janot terá de dar explicações sobre outro episódio nada republicano em que se meteu. Na semana passada, descobriu-se que ele aluga por R$ 4 mil um imóvel em Brasília para um colega da PGR, o procurador Blau Yassine Daloul. Até aí tudo bem. O problema é que a transação só foi possível graças a um despacho do próprio Janot que instituiu aos procuradores um auxílio-moradia de até R$ 4.377 mensais. A notícia foi revelada pelo site Poder 360. É como se o despacho do procurador-geral tivesse sido feito sob medida para atender a seus interesses particulares. Em se tratando de sua controversa gestão, não seria algo para se espantar.

EVENTOS ESTRANHOS O procurador Marcelo Miller só poderia ocupar um cargo privado depois de três anos, mas assumiu os acordos da delação da JBS, abençoados por Janot

 


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