Foi dos conflitos no Oriente Médio que nasceu a frase “seque o petróleo que corre nas veias deles”, presente no texto que batiza o espetáculo Um Berço de Pedra. Nesse trecho, o dramaturgo Newton Moreno lança sua ofensiva sobre a imagem do homem como o fonte de guerras sanguinárias. “Nesse embate, o corpo feminino aparece como resistência, como base da sobrevivência e do afeto. É o estado político de ser mulher”, aponta o diretor William Pereira.

Entre as cinco histórias apresentadas, o desejo de maternidade é sacudido pelo conflito, da mesma forma que a recusa em gerar filhos. A atriz Agnes Zuliani elege uma guerrilheira que surge no campo de batalha arregimentando fetos. “No mundo tudo se resumiu à autorização do que a mulher poderia fazer com o próprio corpo.”

Na peça, esses limites estão suspensos, já que a escrita de Moreno não deseja praticar a justiça com seus personagens, conta Pereira, ao citar a personagem que foi estuprada. “Ela é casada e nunca conseguiu engravidar. Seu sonho de ser mãe é realizado por meio de uma ação violenta.” A resposta do estuprador inspira uma complexa compaixão. “Ambos revelam segredos de suas vidas, e passamos a compreender por que as pessoas praticam a violência. De certa forma, os homens também estão expostos ao machismo”, diz Eucir de Souza. O que ocorre no texto inspirado na história de Medeia é semelhante, conta Luciana Lyra. “O ato de executar os próprios filhos tem a clara intenção de denunciar um estado machista, no qual o trono do homem é sempre maior que o da mulher.”

Com tantos retratos trágicos, o contato das atrizes com o texto exigiu cuidados até mesmo com a saúde. Antes mesmo de iniciar os ensaios, a atriz Débora Duboc teve um quadro de rouquidão. “Sempre cuidei da minha voz, então percebi que se tratava de algo emocional. Eu sou mãe e precisava compreender como o texto dialogava comigo.” Após alguns ensaios regados a lágrimas, a interpretação enveredou para algo mais seco, diz Pereira. “A potência não está na fala emocionada das personagens. Elas já passaram por todo o sofrimento e é a hora de expor as feridas”, explica. “Além disso, o texto sempre sugere novos mundos e situações para se imaginar.”

Para o diretor, o poder do relato de Moreno se assemelha à crueza terrena de Plínio Marcos. “Eles fazem parte de uma mesma geração que escrevia para denunciar as injustiças que ocorriam no mundo e em seu país. A diferença é que Newton eleva essas figuras com lirismo”, compara.

UM BERÇO DE PEDRA

Centro Cultural São Paulo. R. Vergueiro, 1.000. Tel.: 3397-4002. 6ª, sáb., 21h; dom., 20h. R$ 20 / R$ 10. Estreia 30/9. Até 6/11.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.