Na década de 1970, um relatório do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPs, classificava Zózimo Barrozo do Amaral como “lobo que se escondia por trás da pele de cordeiro e do colunismo social.” Não há descrição mais contraditória para o protagonista do livro “Enquanto houver champanhe, há esperança: uma biografia de Zózimo Barrozo do Amaral” (Intrínseca), escrito pelo jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, lançado semana passada. Os agentes do DOPs simplesmente não conseguiam interpretar corretamente algumas notas das colunas que Zózimo publicou em “O Globo” e no “Jornal do Brasil” – e por isso mandaram prender três vezes um burguês de fino trato sob a alcunha de esquerdista. Em 1979, por exemplo, ele publicou que a atriz e cantora argentina Libertad Lamarque estava no Rio. Depois, se corrigiu: “Não é Libertad Lamarque, mas Libertad Leblanc, atriz e argentina como a outra. Leblanc ou Lamarque, o mais importante é ter Libertad no Brasil.” Para quem não o conhecia, poderia parecer provocação. Mas era apenas a sua maneira de informar sem abrir mão do humor.

QUASE SUICIDA

Para que o leitor se divertisse, valia até registrar fragmentos colhidos em festas, sem muita importância, como esse diálogo entre uma ricaça e um garçom com uma bandeja de champanhe. “É brut?” ela indagou. “Não, é delicadíssimo”, respondeu ele. Carioca da zona sul, Zózimo estudou Direito mas não exerceu. Aos 22 anos, vestiu um terno e se apresentou à redação do Globo para começar a trabalhar como “repórter para assuntos de cidade.” Como tinha tanto a aparência (com olhos azuis cativantes) quanto os modos de gente fina, no ano seguinte foi escolhido para colaborar com Álvaro Americano, então titular da coluna social Carlos Swann.

Passado mais um ano, com o pedido de demissão de Americano, Zózimo assume o comando da coluna, ofício que exerceria até pouco antes de sua prematura morte, em 1997, aos 56 anos, devido a um câncer de pulmão. Os excessos da vida noturna que ele tanto gostava acabaram por levá-lo também ao alcoolismo – tendência iniciada no fim da adolescência e começo da juventude. A primeira desilusão amorosa quase acabou em suicídio, com uma overdose do tranquilizante Gardenal, que seu pai tomava. Zózimo imaginava ter pedido o grande amor de sua vida, Márcia Kuperman. Sobreviveu ao infortúnio e, anos depois, casou-se com Márcia, com quem teve o filho único, Fernando. Apesar da pinta de galã e do assédio das socialities, foi um homem de relações duradouras. Com Dorita, a segunda mulher, viveu até o fim.

FESTA: Zózimo, Paulo Marinho e Ricardo Boechat: ele não apenas descreveu com fez parte da noite carioca
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Os anos 1980 chegaram com um ingrediente novo às festas da alta roda: o “realce”, ou seja, cocaína. Para o Joaquim Ferreira dos Santos, “Zózimo foi experimentador curioso da cocaína” e não falava sobre isso. Mas outros falavam, como o produtor musical Ezequiel Neves, que dimensionou ao biógrafo o grau de loucura da época. Neves diz que “cheirou uma fileira nas costas da atriz Elizabeth Taylor, sem ela perceber”.

Na medida em que era possível publicar, a coluna de Zózimo, das mais bem-informadas, noticiava as transformações da sociedade brasileira, antecipando o que viria a acontecer. Um exemplo é a submersão da sociedade tradicional e o surgimento de novos ricos: não por acaso, a mansão da Granja Comary foi vendida pelo playboy milionário Jorginho Guinle para o comediante Renato Aragão, o trapalhão Didi.

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O autor da biografia de Zózimo, que também foi colunista do Globo e conta com 45 anos de experiência em jornalismo, pesquisou a vida de seu personagem por três anos, realizou mais 100 entrevistas e escavou minúcias para montar, em 672 páginas, um inventário rico em detalhes, sobre o que era o Brasil, o jornalismo e a vida em sociedade. É como se fosse uma quilométrica nota ao estilo Zózimo, com muita informação, humor e texto delicioso.

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Fotos: Leo Aversa; Divulgação


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