Integrante da força-tarefa da Lava Jato diz que só culpados abandonam o País, procura acelerar acordos para dificultar a fuga de criminosos e atua para viabilizar a volta de recursos desviados

Secretário de cooperação internacional da Procuradoria-Geral da República na força tarefa da Lava Jato, o procurador Vladimir Aras tem como atribuição cuidar do pedido ao exterior de documentos que comprovam as fraudes, da recuperação de recursos públicos desviados de empresas brasileiras e da extradição de foragidos da justiça. Nos próximos dias, Aras vai a Montevidéu tentar destravar um acordo para desburocratizar a extradição e captura de presos em sete países da América do Sul. O Mandado Mercosul de Captura (MMC), firmado entre Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Paraguai, Peru e Equador impõe uma derrota a foragidos da Justiça brasileira escondidos do outro lado da fronteira. O MMC diminui para um mês o tempo de entrega de presos capturados e agiliza a sua captura. O acordo fora assinado em 2010, mas não andou porque precisava ser ratificados pelos países signatários. O mecanismo pode frear a fuga de criminosos brasileiros. Entre 2006 e maio deste ano, 490 bandidos escaparam. O novo dispositivo pode também dissuadir o ex-ministro Ciro Gomes de por em prática um plano de fuga a Luiz Inácio Lula da Silva, caso o juiz Sérgio Moro decrete sua prisão por omitir ser dono de um tríplex no Guarujá e pela reforma de um sítio em Atibaia (SP) bancada por empreiteiras investigadas pela operação Lava Jato. Ao comentar uma possível fuga de Lula, Aras foi contundente: “O inocente do estado de direito não foge”.

ISTOÉ – O pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) sugeriu que poderia organizar um grupo para levar Lula a uma embaixada, caso seja decretada sua prisão. Isso, claro, seria um plano de fuga. Como o sr. analisa isso?

Vladimir Aras – Não vou entrar no campo da especulação. Mas a ideia de fugir é inata a toda pessoa que está cercada por provas. O inocente do estado de direito não foge. Ele fica, contrata um advogado, se defende pela imprensa ou utiliza os mecanismos próprios de uma democracia. A obrigação de provar que ele é culpado é do Ministério Público.

ISTOÉ – O Ministério Público Federal brasileiro está preocupado com a fuga de condenados ou envolvidos com o crime organizado – a exemplo de políticos, empreiteiros e servidores públicos citados na operação Lava Jato?

Aras – O procurador-geral, Rodrigo Janot, tem orientado para que o Mandado Mercosul de Captura (MMC) seja ratificado desde que ele assumiu o cargo, em 2013, em linha com a preocupação global de todo o Ministério Público brasileiro. É necessário que o Congresso Nacional aprove o marco normativo de cooperação. Ele não é só importante para extradição. Quando nós falamos de cooperação internacional, no contexto da Lava Jato, por exemplo, estamos lidando com três aspectos primordiais: a busca de provas para obter documentos e depoimentos no exterior, a recuperação de ativos e a captura de foragidos.

ISTOÉ – Na prática como isso funciona?

Aras – Na primeira etapa da operação, a cooperação foi probatória. Ou seja, no sentido de obter os documentos inicialmente na Suíça e depois em outros países europeus e latino-americanos. O segundo estágio da cooperação da ação foi a cooperação para recuperação de ativos, facilitada em grande modo pela existência dos acordos de colaboração premiada, que permitiam que os acusados renunciassem ao direito de resistir aos pedidos de repatriação de ativos. O terceiro foco é a captura de foragidos. Por hora, na Lava Jato, só temos um pedido de captura, que é a do Raul Schmidt (operador do pagamento de propina aos ex-diretores da Petrobras Jorge Zelada, Renato Duque e Nestor Cerveró,) que foi capturado em Portugal e já tivemos êxito parcial para viabilizar a sua extradição ao Brasil.

ISTOÉ – Os números divulgados pelo Ministério da Justiça mostram que o Brasil requereu, entre 2006 e maio deste ano, a entrega de 490 pessoas detidas em outros países. Desse total, 22 foragidos encontram-se asilados em países da América do Sul. Por que tanta facilidade no ingresso aos países vizinhos?

Aras – Essa pergunta remete a uma constatação e uma necessidade. Temos uma livre circulação de mercadoria, serviços, bens, valores limpos e pessoas honestas no âmbito do Mercosul. Do mesmo modo, circulam dinheiro sujo e criminosos de um lado e de outro das fronteiras. É preciso que haja uma livre circulação de decisões judiciais também. É importante também que nós tenhamos um sistema para que polícias e órgãos de segurança possam se comunicar. De modo que, ao tentar sair, não do espaço territorial brasileiro, mas do Mercosul, haja um controle efetivo dessa migração. Para atravessar a fronteira desses países basta apenas a apresentação da identidade. Então, quando um criminoso é condenado, ele tem somente o passaporte recolhido.

ISTOÉ – O Pizzolato acabou preso cinco meses depois da fuga, em setembro de 2013, na Itália. Mas o Brasil levou mais de dois anos para recebê-lo das autoridades italianas. Durante esse tempo, quanto o país desembolsou para arcar com os custos do preso do mensalão?

Aras – Custou caro. Só um vídeo com depoimento dele foi R$ 30 mil. Para isso, teve de ter um tradutor, que o Brasil pagou R$ 20 mil. Além das missões à Itália realizadas pelos procuradores, inclusive eu. Fomos três vezes para participar das reuniões e audiências para conseguir trazer o foragido. Foi gasto muito dinheiro do contribuinte para capturar um foragido. Então, é justo que nós tenhamos o direito, perante o Judiciário, de cobrar dessa pessoa o que foi gasto com essas diligências.

ISTOÉ – Que tipo de benefício para o Brasil e aos países signatários o Mandado Mercosul de Captura (MMC ) trará para o combate ao crime organizado no Cone Sul?

Aras – A premissa básica do Mandado Mercosul de Captura é a necessidade de fortalecer o estado de direito à proteção dos direitos das vítimas e dos cidadãos em geral do bloco, copiando a experiência da União Europeia, onde foi implantado, em 2002, o Mandado Europeu de Detenção e Entrega. O tratado resulta da aplicação do reconhecimento mútuo das decisões judiciais de qualquer país do continente. Ou seja, o documento assinado permite, por exemplo, que um juiz de Portugal determine a prisão de uma outra pessoa que esteja no espaço comunitário europeu. Pode ser na França, na Itália. A possibilidade de execução dessas ordens de captura de presos de um país a outro, sem as amarras da burocracia tradicional da extradição, facilitariam que foragidos perigosos fossem trazidos de volta ao país ou mandados para outros países onde devam cumprir pena e responder a processos. Então, a intenção do MMC é moldar a nossa realidade regional do Mercosul a um sistema de cooperação simplificado para extradição.

ISTOÉ – Tem exemplos práticos?

Aras – Nós vimos, por experiências recentes, no caso da fronteira do Brasil com o Paraguai, na região de Ponta Porã – município sul-mato-grossense – um evento que mostra a importância da existência de mecanismos mais céleres de cooperação para a captura de foragidos. Tínhamos um indivíduo condenado em solo brasileiro que morava a, pelo menos, 100 metros da fronteira brasileira, do lado paraguaio. Embora fosse condenado no Brasil, não era capturado porque estava além da jurisdição brasileira.

ISTOÉ – No modelo atual, quanto tempo leva um suspeito detido em outro país para ser extraditado à nação de origem no território do Mercosul?

Aras – Na perspectiva brasileira, em torno de um ano. A extradição tem de passar por três fases até ser concluída: administrativa, perante o Ministério da Justiça; depois, a judicial, no Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República; e, por fim, o pedido volta para o Executivo, que decidirá se autoriza ou não a entrega final ao país estrangeiro. Nos países onde há esse modelo simplificado de detenção e entrega, o período de espera pode ser de um mês.

ISTOÉ – Que tipo de autoridade judicial poderá emitir o pedido de extradição?

Aras – Qualquer autoridade judiciária, federal ou estadual, de primeira ou segunda instância, ou ainda os tribunais superiores poderão expedir mandados de captura no Mercosul. Exceto os juízos e tribunais que não detêm competência criminal.

ISTOÉ – Então, por que tanta demora para colocar esse dispositivo em vigência?

Aras – É necessário que, no âmbito do Mercosul, mais quatro estados partes façam essa ratificação. O que significa dizer que é necessário a ratificação do Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai (membros do bloco). A demora é própria da tramitação de tratados. Infelizmente. Desde 2014, a Procuradoria-Geral tem procurado um diálogo com o Poder Executivo – representado pelos ministérios da Justiça e de Relações Exteriores – para que as duas instâncias do governo brasileiro movimentem a documentação necessária para que o Congresso faça a aprovação legislativa do texto, o que aconteceu. Agora, estamos a um passo do acompanhamento legislativo perante as várias comissões do Congresso Nacional onde o tema será discutido.

ISTOÉ – Haverá algum critério para a extradição de presos, tipo o tempo mínimo de pena a que foi condenado o foragido?

Aras – Normalmente, os crimes que geram extradição têm de ter uma pena máxima não inferior a um ano. Para crimes de menor potencial ofensivo, não será possível esse tratado de extradição.

ISTOÉ – Além da diminuição da burocracia do processo de extradição e captura de presos, o MMC também trará que tipo de garantia ao condenado detido em países da América do Sul que assinaram o tratado?

Aras – Para assegurar o respeito do devido processo legal e aos direitos humanos, o país que for cumprir a extradição não poderá aplicar à pessoa procurada, em nenhum caso, as penas de morte, de prisão perpétua ou de trabalhos forçados.