Foi o presidente da Casa, Renan Calheiros, quem primeiro classificou assim. O julgamento do impeachment ocorreu em um “hospício” na sua visão nada edulcorada do ambiente que comanda. O bate-boca de senadores, questões de ordem e empurrões, de lá e de cá, decerto mandaram para as calendas ritos e princípios. O Congresso dos últimos tempos virou um azougue. De saída na Câmara dos Deputados o show de fanfarras corou de vergonha até os mais desavisados. Se esperava que nada parecido voltasse a acontecer, mas eis que o Senado tratou de dar a sua estridente contribuição, fazendo jus à fama. É de se perguntar como a reconciliação política, necessária e prometida, pode se dar nesse ambiente? Quem viu ali os gritos de guerra e espetaculosas mensagens elaboradas com zelo para as câmeras de TV e cinema não pode mesmo acreditar nem mais um milímetro na capacidade da instituição contribuir para a reconstrução nacional, fazendo andar pautas vitais. A não ser que daqui por diante mude tudo. O ex-governador e senador, Roberto Requião, deu o tom da beligerância: “Estão preparados para a guerra civil? Não? Entrincheirem-se então, pois o conflito será inevitável”. Não se consegue enxergar o equilíbrio pretendido a autoridades em circunstâncias como essa. Os mais sensatos tentam, no entanto, colocar algum deságio nas ameaças. Tudo não passaria de jogo de cena, dizem. Diante dos holofotes o barulho da resistência. Nos bastidores, o sorriso e tapinha nas costas de velhos camaradas de arranjos e conchavos. Renan, o líder do rebanho, por exemplo, rasgou o verbo contra a senadora petista Gleisi Hoffman para depois, na mesma noite, ao fim da sessão, dividir com ela algumas garrafas de vinho durante o jantar, alegando que no Senado “as pessoas se xingam e se agridem de forma mais civilizada”. Políticos de carteirinha são mesmo pessoas diferenciadas. Talvez pelos seus caminhos tortos possam até resgatar alguma esperança dos eleitores, caso recobrem o juízo e ajudem o Brasil a entrar no trilho.

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Mas o que dizer do derradeiro e calamitoso ato tomado por esses senhores que decidiram não cassar os direitos políticos da presidente deposta, Dilma Rousseff? Entenda-se o tamanho da barafunda em que se meteram: no entender da esmagadora maioria dos juristas, a deposição de cargo público e a inabilitação para exercê-lo logo adiante são itens inseparáveis no capítulo constitucional. Os parlamentares resolveram o contrário. O precedente rasga a Carta Magna e, mais grave, foi tomado de supetão como novidade na lei, acertado ali de última hora, sem maiores debates. O que é isso? Só mesmo uma política Macunaíma como a nossa para comportar tamanha excrescência. A situação ficou tão surreal que caso a agora ex-presidente concorra a cargo eletivo ou de nomeação poderá, dado que foi condenada por crime de responsabilidade, ser enquadrada na Lei da Ficha Limpa. O que irá prevalecer? E mais uma dúvida se apresenta: a regra improvisada, fruto como de hábito do “toma lá, dá cá” e de interesses pessoais, vale para todo mundo ou só para alguns? A jurisprudência caiu como uma luva nos planos de senadores e deputados encrencados com processos, vários deles alvos inclusive da Lava-Jato. Consagrou-se no episódio outra demonstração do corporativismo escrachado desses senhores. A partir daqui eles terão em mãos a porta de entrada para o retorno rápido aos postos dos quais porventura e malfeitos venham a ser defenestrados. Cassados irão às urnas atrás de aval para um novo mandato e voltarão por dominar, na maioria dos casos, o voto de cabresto em seus currais eleitorais. A não inelegibilidade desponta como um salvo-conduto com o qual eles seguirão nas práticas deletérias. À luz dos fatos, o princípio do exílio político virou pó e quem estiver prestes a cair nas garras da justiça poderá se aboletar num posto público, a convite de correligionários, para ganhar fórum privilegiado e assim escapar de investigações em primeira instância, tal qual tentou armar a ex-mandatária Dilma com o seu padrinho político, Lula, nomeando-o para o ministério em um intento fracassado devido à força da lei que prevalecia à época. De uma maneira ou de outra, o Congresso incorporou a marca de uma casa de tolerância onde tudo é permitido, nada é condenado, aos deputados e senadores – desde que haja entendimento entre eles para tanto. Nos dias de votação do impeachment se viu ali (salva honrosas exceções) personagens mais atentos em salvar a própria pele do que ligados aos anseios da Nação. Esses procuraram, de quebra, garantir (por que não?) algum naco de fama. Afinal vivem, como bem pontuou Renan, em um hospício.