Desde o domingo, 3 de setembro, por volta das 3h30 no horário local na Coreia da Norte, o mundo subiu um degrau no patamar do medo. Naquele momento, o país asiático realizou o teste de uma arma nuclear que, até prova em contrário, está entre as mais poderosas criadas até hoje. Se todas as análises forem confirmadas, a potência da bomba desenvolvida pelos norte-coreanos é de cerca de 100 kilotons, força sete vezes superior à do artefato atômico jogado pelos americanos em Hiroshima, no Japão, em 1945, e que matou 70 mil pessoas instantaneamente. Uma arma dessas nas mãos de um homem como o ditador e líder do país, Kim Jong-un – imprevisível e inconsequente, para dizer o mínimo – faz o planeta segurar o fôlego. Até porque, do outro lado, escolhido como inimigo número um, está Donald Trump, o presidente bufão dos Estados Unidos para quem diplomacia parece uma palavra riscada do dicionário.

ONIPRESENTE Imagem do ditador Kim Jong-un ao demonstrar sua nova arma: irracional e irresponsável

Não se sabe com exatidão que tipo de arma foi testada pelos norte-coreanos desta vez. O governo de Pyongyang declarou se tratar de uma bomba de hidrogênio cujo poder explosivo poderia ser ajustável de dez kilotons até centenas de kilotons. Um dia antes, Kim Jong-un posou para uma foto ao lado de uma arma que, pelo formato, poderia sim abrigar a chamada bomba H. Esse tipo de artefato é o mais letal das armas atômicas. Diferentemente da que foi jogada sobre Hiroshima e Nagasaki – a outra cidade japonesa atingida por uma bomba atômica, em 1945 – ela usa dois mecanismos para sua detonação (leia quadro à pág. 46), o que torna exponencial seu poder destrutivo. Em 1961, a União Soviética testou a Czar, bomba H que alcançou explosão de intensidade de 50 mil kilotons, acabando com tudo ao redor em um raio de 55 quilômetros.

ORGULHO Norte-coreanos vibram com o sucesso de mais um teste com arma nuclear.

Uma ideia mais precisa sobre a nova arma de Kim Jong-un será possível somente em algumas semanas. Por enquanto, as avaliações foram feitas com base em análises da magnitude dos tremores de terra desencadeados pelos testes e das imagens das áreas onde eles foram realizados obtidas por satélites. Pela força com que a terra mexeu minutos após a detonação e a abrangência da devastação causada, é quase certo que se trata mesmo de uma bomba de hidrogênio. A prova poderá surgir nos próximos dias, com a detecção de gases específicos. Caso sejam registrados na região, a suspeita internacional será confirmada.
A esta altura da temperatura mundial, no entanto, essa é uma resposta que importa menos. É consenso que, se não foi desta vez que a Coreia do Norte criou uma bomba H, será na próxima. E isso coloca o país asiático entre os grandes em matéria de arsenal nuclear. Se não em número de armas, pelo menos em capacidade tecnológica para produzi-las. “Baseado no que vimos neste último teste, o poder das ogivas norte-coreanas parece comparável ao de armas desenvolvidas pelos Estados Unidos e Rússia “, disse à ISTOÉ o estudioso Joshua Pollack, do Middlebury Institute of International Studies, no Canadá.

Kim Jong-un inspeciona o que diz ser a bomba H

A Coreia do Norte vem intensificando seu esforço militar há pelo menos oito anos. No entanto, em todo esse tempo nunca o mundo sentiu tanto temor como agora. Por uma razão simples: quem pode hoje apertar o botão e começar uma guerra nuclear são dois líderes sem compromisso algum com a estabilidade. “Trump e Kim Jon-un não passam a menor credibilidade”, diz o historiador Lindener Pareto, da PUC de Campinas, em São Paulo.

“Os chineses jamais aceitarão uma proposta de suspender todo o comércio com os norte-coreanos” Zhang Bahoui, professor da Lingnan University, Hong Kong

ÓDIO AOS AMERICANOS

É uma situação diferente da vivida durante a crise dos Mísseis, em 1962, quando confrontaram-se, de um lado, o ex-presidente americano John Kennedy, e, de outro, o então líder soviético Nikita Krushchev. Era o auge da Guerra Fria e o mundo se dividia entre as zonas de influência americana e soviética. A crise se deu quando Kruschev decidiu instalar mísseis na Cuba do aliado Fidel Castro. Foram treze dias de tensão, mas um esforço dramático da diplomacia e a habilidade política dos dois governantes em enxergar o que ganhariam e perderiam levaram ao acordo que tirou do planeta a sombra da guerra.

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RETÓRICA Depois de duras ameças, Donald Trum suaviza o tom: ataque militar pode não ser opção já

O que vive hoje a Coreia do Norte é uma espécie de extensão desse período histórico, mas com os acentos contemporâneos. O país nasceu depois da Segunda Guerra, quando os vencedores EUA e União Soviética dividiram a península coreana. O norte, para os soviéticos. O sul, para os americanos. A divisão nunca foi aceita e, em 1950, o norte avançou contra o sul numa tentativa de reunificar o território. Foi uma guerra sangrenta que terminou em 1953, com a criação de uma zona desmilitarizada entre Coreia do Sul e Coreia do Norte.

O ódio dos norte-coreanos aos americanos tem raiz nesse tempo. E cresceu à medida em que a população foi sendo doutrinada e impedida de obter informações do mundo além de suas fronteiras. Por isso, não surpreendem as comemorações nas ruas logo após o anúncio do teste do novo armamento nuclear.

O xadrez geopolítico atual, porém, é mais complexo do que entende o norte-coreano em seu universo privado de informação. O mundo deixou de ter dois polos hegemônicos. Toda a região hoje sofre também a influência de potências como o Japão e China, além dos EUA e Rússia. E os interesses de cada uma dessas nações às vezes convergem e, em outras ocasiões, divergem completa ou parcialmente.

A China tem na Coreia do Norte uma de suas principais compradoras e não está nem um pouco interessada em perder sua área de influência na região. Por isso, o presidente Xi Jinping até apoia a imposição de mais sanções ao vizinho, como defende a maioria das nações, mas para por aí. “Eles jamais aceitarão uma proposta de suspender todo o comércio com os norte-coreanos”, disse à ISTOÉ Zhang Bahoui, do Departamento de Ciência Política da Lingnan University, em Hong Kong.

BASTA Nikki Haley (sentada, de preto), representante dos EUA na ONU: “Chegou o momento de acabar com as meias medidas”

Além disso, apesar das intenções do líder chinês de manter boas relações com Trump, a ele não interessa um conflito armado que pode resultar em uma leva de refugiados buscando ajuda em seu território. O presidente americano, por sua vez, quer o apoio de Xi Jinping, mas sabe que não pode pressionar demais aquele que hoje é seu principal parceiro comercial. Só em 2016, os EUA importaram US$ 450 bilhões em produtos chineses, quatro vezes mais do que exportaram ao gigante asiático.
A Rússia de Vladimir Putin, até há pouco tempo em lua de mel com os EUA de Trump, hoje vê essa relação se desgastar. O líder russo culpa a truculência do colega americano pela escalada de tensãoåº na península coreana e defende que a solução passe pela via diplomática.

Acuado pelas ameaças norte-coreanas, o Japão, até agora pautado por uma tradição pacifista, quer a saída diplomática, mas pode rever sua estratégia. “O cenário fornece os estímulos para o país melhorar sua tecnologia militar”, afirma Alexandre Uehara, diretor acadêmico da Faculdade Rio Branco e coordenador do Grupo de Estudos sobre Ásia da Universidade de São Paulo. Segundo Uehara, os japoneses têm capacidade para desenvolver armas nucleares: “Há matéria-prima em quantidade para várias ogivas. Tecnologicamente, portanto, isso é possível”, afirma. O entrave é de natureza política. “A população é reticente à ideia de ter armas nucleares, o que significaria um retrocesso no histórico pacifista do país.”

Por esse contexto frágil como um chão de cristal, é difícil apostar no início ou não de uma guerra nesse momento. É preciso considerar, obviamente, o temperamento intempestivo de Kim Jong-un e de Donald Trump. “Os dois se dão o direito de fazerem ataques preventivos”, diz o especialista Pollack, do Canadá. Por enquanto, porém, o conflito entre os dois se mantém na esfera da retórica. Nos dias que se seguiram ao teste, Trump primeiro defendeu uma operação militar “massiva” contra a Coreia do Norte. Sua embaixadora na ONU, Nikki Haley, disse que Kim “implorava por uma guerra e que era o momento de acabar com meias medidas”. Na quarta-feira 6, o americano já dizia que uma ofensiva militar talvez não fosse necessária. Embalado por esse vai-e-vem de declarações, o mundo segue em estado de medo.

A MAIS DESTRUTIVA
Diferenças entre as bombas

1 ATÔMICA de Plutônio
Explosivos pressionam a carga de plutônio, causando sua fissão e explosão

ATÔMICA de Urânio Massas de urânio colidem uma contra a outra, impulsionadas por um detonador. A colisão leva à explosão


2 MISTA Para intensificar a fissão do plutônio são usados isótopos de hidrogênio. Eles criam ambiente de alta temperatura e pressão

3 HIDROGÊNIO A explosão é consequência de duas etapas. A primeira é a detonação de uma bomba atômica. A pressão e a temperatura geradas pelo processo criam as condições para a fusão de isótopos de hidrogênio

POTÊNCIAS

A força de explosão da bomba lançada pelos EUA sobre Hiroshima em 1945 foi de 15 kilotons
A bomba de hidrogênio Czar, testada pela União Soviética em 1961, teve potência de 50 mil kilotons  (3 mil vezes mais poderosa do que a lançada sobre a cidade japonesa)


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