VIROU BAGUNÇA Movimentos bancados pelo PT ocuparam o Palácio do Planalto. Por pouco tempo
VIROU BAGUNÇA Movimentos bancados pelo PT ocuparam o Palácio do Planalto. Por pouco tempo (Crédito:Eduardo Anizelli/Folhapress)

Brasília, segunda-feira, 9 de maio de 2016: se cercassem a cidade e a trancassem, seria hospício. Se cobrassem ingresso para quem nela quisesse entrar, seria circo. Como a comicidade e o burlesco ganharam da loucura, fica-se com a segunda hipótese. A capital federal abrigou um grande circo que transformou em enorme picadeiro todo o Brasil. O protagonista foi o presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão, que assumiu o cargo em substituição a Eduardo Cunha. Pois bem, senhoras e senhores, eis Waldir Maranhão – aquele que, quando se sentou pela primeira vez na cadeira da presidência da Câmara, não a esquentou: aboletou-se, declarou aberta a sessão e, no segundo seguinte, a encerrou, levantou-se e foi embora. Como o show do circo Brasil não pode parar, na segunda-feira 9 ele caprichou bem mais, a ponto de deixar atordoada até a mídia internacional: “O Brasil vive um inexplicável e confuso cenário político”, estampou um jornal europeu.

2423_Brasil_Circo01

Maranhão firmara naquela manhã um ato inédito, surrealista e estapafúrdio, anulando a votação do plenário da Câmara que, com 367 votos, se manifestou favorável à admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff. De tão grotesco, do ato de Maranhão não dava sequer para recorrer à Justiça. Foi de dar nó na cabeça até de Franz Kafka. Em mínimas palavras, o ministro do STF Gilmar Mendes disse tudo: “É mais uma ‘Operação Tabajara’. Se não fosse um ato circense, seria realmente um ato criminoso de tentativa de fraude”. Quem olhasse, no entanto, para o lado político do delírio de Maranhão, ria riso nervoso – “embora delírio, lá tem seu método”, nos ensinou William Shakespeare.

2423_Brasil_Circo05

Quem seria o próximo a entrar em cena? Só um ator, bom no malabarismo cambaio que às vezes parece que vai cair para frente, às vezes para trás, às vezes para a direita ou esquerda, podia emudecer a banda que imediatamente se formou por aqueles que ganham trocado e sanduíche para vestir camiseta vermelha e sair esgoelando que “não vai ter golpe”. Àquela altura, Dilma falava para meia dúzia de gatos pingados de movimentos sociais, quando lhe chegou a notícia da manobra de Maranhão. Como se ela não soubesse de nada, o que não é verdade, já que ela esteve com Maranhão na noite anterior, a presidente fingindo demonstrar surpresa transmitiu-lhes a informação. A barulheira começou, cartazes se levantaram, faixas se estenderam e palavras de ordem foram coladas até nos vidros do primeiro andar do Palácio do Planalto. A balbúrdia estava instalada e a sede do Executivo passou a ser ocupada por apaniguados do PT. Houve até música, porque bom circo é o que “tem charanga tocando a noite inteira” – como cantou lá no passado Sidney Miller.

Finalmente, o único homem no Brasil que poderia mandar para o arquivo o ato de Maranhão apareceu: Renan Calheiros, presidente do Senado, que legitimamente tinha de votar o prosseguimento ou não do impeachment. Pressionado por sua bancada que ameaçou abandoná-lo, Renan viveu seu dia de herói da democracia. Ele não disse, mas bem que poderia ter dito civicamente, repetindo dom Pedro: “se é para o bem de todos e a felicidade geral da nação, diga ao povo que… arquivo”. Renan arquivou, tocou a sessão no Senado, pendeu para adiar a votação do processo de impeachment – sabe-se lá para que dia, após a CCJ se pronunciar sobre a cassação do mandato de Delcídio do Amaral –, mudou de posição. Foi, enfim, outro show.

ONDE ESTÃO OS MANIFESTANTES? Baderneiros contratados por R$ 80 incendiaram pneus, paralisando estradas
ONDE ESTÃO OS MANIFESTANTES? Baderneiros contratados por R$ 80 incendiaram pneus, paralisando estradas (Crédito:Rovena Rosa/Ag. Brasil)

Questão de ordem daqui, questão de ordem de lá, senhor presidente para todos os lados, gritos e mais gritos entoados pelo pelotão de frente de Dilma: Lindbergh Faria (PT-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Humberto Costa (PT-BA), como se o grito – o sussurro da alma dos parlamentares – traduzisse: quem berrar mais vai parecer que tem menos telhado de vidro. Na verdade, era o inverso. Os três são alvo de inquérito do Petrolão (leia reportagem à pág. 48). Por fim, cerca de doze horas circenses terminaram e veio a confirmação da votação do processo de afastamento de Dilma para quarta-feira 11.

O ensaio do espetáculo promovido por Maranhão começou vinte e quatro horas antes, no domingo 8, quando com ele se reuniu o advogado geral da União, José Eduardo Cardozo. Aí se criaram argumento e roteiro mambembes, ideais para o desempenho da trupe quando o protagonista é trapalhão – deve ter sido difícil para Cardozo, mestre em flauta, doutor em Frédéric Chopin e livre-docente em Direito. O processo de convencimento, numa conversa típica de mesa de bar, foi regado a três garrafas de Velho Barreiro. Maranhão sentiu-se como uma menina de 15 anos em meio à festa de debutante do núcleo do poder, tamanho o encanto com os salamaleques de Cardozo. Um avião da FAB já o havia transportado para Brasília, ao lado do governador do Maranhão, Flávio Dino, a quem coube a tarefa de preparar o presidente da Câmara para a derradeira e decisiva conversa com o advogado da União.

Depois da terceira garrafa de aguardente, veio a tacada final de Cardozo. Em tom sedutor. “Eu tenho a solução. Na verdade, você, Maranhão, tem a solução. Você pode parar tudo. Entrar para a História! Ganhar o reconhecimento dos brasileiros. Ter a gratidão de Dilma e de todos nós”. A resposta já estava estampada nos olhos de Maranhão. Mesmo assim, bem ao seu estilo, o parlamentar, cortejado como a última dama da pista do salão, como nunca antes na história, devolveu com aquela tirada cabal, que significa a rendição total a qualquer apelo: “Onde eu assino?”. Estava sacramentada ali a presepada. O texto estava pronto para Maranhão chancelar.

2423_Brasil_Circo04

Crédito: Marcelo Pinto/APlateia

A partir de então, tudo se deu como já se contou. Na terça-feira 10, Maranhão provocou mais riso – como cantou Billy Blanco, “o que dá pra rir dá pra chorar”: revogou seu próprio ato ao sentir a pressão para apeá-lo do cargo. A lona já estava no chão. Uma característica pode ser atribuída a Maranhão: é um pândego dos mais amadores. Prova disso é que até o palhaço e deputado Tiririca, que já ganhou a vida em picadeiro de verdade, tirou o bigode para não ficar em nada parecido com o bufão que deu um tiro no pé. Como o que está ruim sempre pode piorar, naquele mesmo dia baderneiros travestidos de manifestantes voltaram a paralisar ruas e avenidas de sete capitais do País. Em São Paulo, pessoas foram cooptadas na Praça da Sé para participar da baderna. Para usarem as camisetas de integrantes de movimentos sociais receberam R$ 80. Muito riso, pouco siso! Muitos dos que interromperam o trânsito, atrapalhando a vida de mihares de pessoas, nada tinham de militantes. Eram grupos de 10 a 20 pessoas que atearam fogo em pneus e, depois, saíram correndo. Fecham-se as cortinas do lamentável espetáculo. Ainda bem que acabou.

Integrantes do movimento dos sem terra tentaram invadir fazenda de amigo de Michel Temer, no interior de São Paulo
Integrantes do movimento dos sem terra tentaram invadir fazenda de amigo de Michel Temer, no interior de São Paulo