Fora definitivamente da Presidência da República, Dilma Rousseff é uma cidadã como qualquer outra cidadã do País – um pouco menos, talvez, já que contra ela pesam suspeitas de crimes enquanto a esmagadora maioria das brasileiras é respeitadora das leis. Sem as prerrogativas do cargo, Dilma é hoje uma mulher comum. Normal, então, que ela já tenha arregaçado as magas e posto mãos à obra: muita coisa para empacotar, malas a afivelar, é nessa hora que se vê quanta bugiganga se guarda – anotações tolas, santinhos de campanha, roupas que ficaram largas ou apertadas, retratos antigos dos tempos utópicos de Wanda. Organizar bagagens, enfim, é afazer cansativo e melancólico, sobretudo quando nos expulsam de algum lugar sob a suspeição de atos ilícitos e criminosos. Dilma sai de Brasília, Dilma volta a Porto Alegre. Trocar uma cidade pela outra não significa, no entanto, que as suas dores de cabeça ficarão no passado. Os problemas viajam com ela, entre eles as questões da Lava Jato – sobretudo agora que uma outra frente de investigação acaba de ser aberta por improbidade administrativa, conforme ISTOÉ apurou com exclusividade.

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Dilma despede-se no domingo 4 da aeronave da FAB que tanto a transportou e, daqui para frente, terá de arcar com o custo das passagens. Nessa super crise, isso é ruim para o bolso, e ela por enquanto não gastará no exterior: assumirá no Brasil a articulação de movimentos sociais, mantendo uma equipe em Brasília e outra na capital gaúcha — o Instituto Cidadania ficará sob a sua gestão e se valerá em São Paulo da estrutura do Instituto Lula. Dilma viajará , isso sim, para prestar muitos esclarecimentos à PF e à Justiça, uma vez que o Ministério Público Federal do DF decidiu incluí-la em um inquérito civil sobre o caso das pedaladas fiscais. Após o impeachment, a Procuradoria decidiu analisar a sua responsabilidade específica em relação ao ano de 2014: os investigadores querem saber se as manobras fiscais foram feitas para maquiar contas com o objetivo de ganhar a eleição.

ÚLTIMAS CENAS A carta assinada por Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros notificando Dilma do impeachment e a ex-presidente em seu último discurso: fim de um governo perverso
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A carta assinada por Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros notificando Dilma do impeachment e a ex-presidente em seu último discurso: fim de um governo perverso

CURITIBA COMO DESTINO

Além das pedaladas, Dilma ainda tem de enfrentar a Lava Jato. Ela já é investigada em um inquérito no STF sob a suspeita de tentar obstruir a operação por meio da nomeação de Marcelo Navarro ao cargo de ministro do STJ, segundo a delação do ex-senador Delcídio do Amaral, revelada por ISTOÉ. Delcídio assegura que Navarro foi nomeado com uma lição de casa a fazer, que era a de libertar empreiteiros presos pela corrupção na Petrobras (o então presidente do STJ Francisco Falcão e o ex- ministro da Justiça José Eduardo Cardozo teriam participado dessa articulação). Esse inquérito contra Dilma deverá ser mantido no Supremo, mesmo com o impeachment, porque Falcão e Navarro possuem foro privilegiado. Mais: um dos pedidos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é a tomada de depoimento da ex-presidente, o que significa ela viajar a Brasília que outrora lhe deu poder e desmando. Outras delações em negociação podem implicar-lhe ainda mais, só que esses casos provavelmente ficarão nas mãos do juiz Sérgio Moro. E lá vai Dilma comprar passagem aérea para Curitiba.

O ex-marqueteiro petista João Santana e sua mulher, Mônica Moura, já disseram a Moro que dívidas da campanha de Dilma em 2010 foram pagas por meio de caixa dois pelo empresário Zwi Skornicki, lobista com atuação na Petrobras – Santana recebeu em uma das contas secretas na Suíça o total de US$ 4,5 milhões. Além disso, os investigadores de Curitiba vão poder analisar as citações a Dilma nas delações premiadas que foram arquivadas por Janot, sob o argumento de que a presidente não podia ser investigada por atos estranhos ao mandato. O foco principal é a aquisição, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena, que deu um prejuízo de US$ 792 milhões à estatal. Dilma era presidente do conselho de administração da empresa e aprovou a transação, em 2005. A refinaria rendeu muito: não produtos mas propinas a políticos e funcionários da estatal.

Foto: Tomas Munita/The New York Times; Ueslei Marcelino/REUTERS; ANDRE COELHO/Agencia O Globo