Ao receber a notícia de que Donald Trump havia sido eleito presidente dos Estados Unidos, em novembro do ano passado, Angela Merkel encerrou seus dias de ponderação quanto a concorrer novamente ao cargo de chanceler da Alemanha. A decisão de continuar em cena após 12 anos no comando de uma das nações mais poderosas do mundo não foi simples. As boas relações que ela mantinha dentro e fora de seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), ficaram estremecidas desde a abertura das fronteiras do país para refugiados, em 2015. Em vez de enfraquecê-la, porém, a escolha se mostrou acertada. Com largo favoritismo para a eleição do domingo 24, hoje Merkel é vista pelos alemães como uma “mãe corajosa” na condução das questões que impactam em todos os aspectos políticos e sociais do país. Para o jornal “The New York Times”, ela é “a última defensora poderosa da Europa”. O apoio quase irrestrito às decisões que Merkel toma se deve a seu estilo pragmático, eficiente e avesso a conflitos. “É uma mão estável no leme do país”, diz Kai Michael Kenkel, pesquisador do Instituto Alemão de Estudos Globais. “Ela oferece continuidade ao eleitorado e previsibilidade aos demais países.”

Os últimos quatro anos de governo exigiram de Angela Merkel uma postura conciliadora para conduzir questões polêmicas. A chanceler que se negava a reconhecer o casamento gay recentemente abriu caminho para legalizar uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. Em 2016, às vésperas de a tragédia em Fukushima, no Japão, completar cinco anos, o governo alemão declarou que pretende desligar todos os reatores nucleares até 2020. Nenhuma desses assuntos, porém, colocou Merkel em uma posição tão delicada quanto o acolhimento dos imigrantes e refugiados. Categórica, ela declarou ao mundo: “Nós podemos fazer isso”. Com essa postura, seu governo consolidou a política de defesa dos direitos humanos – mas também provocou a ira dos conservadores que reprovam a abertura das fronteiras. “Merkel mudou a CDU em aspectos como migração e política social. O partido se deslocou de uma posição de centro direita para a centro esquerda”, afirmou à ISTOÉ Richard Hilmer, diretor do instituto alemão Policy Matters. “Foi uma mudança bem-sucedida porque limitou o espaço do rival, o Partido Social Democrata.”

ALIANÇA Para governar, uma das opções de Merkel será formar uma coalizão com o adversário Martin Schulz (SPD) (Crédito:ODD ANDERSEN)

OTIMISMO

Um estudo recém-publicado pela Fundação Bertelsmann afirma que há uma percepção de otimismo maior na Alemanha em comparação aos demais países europeus. Os que acreditam que o país está se desenvolvendo na direção certa são hoje quase 60% dos alemães – e 63% se dizem satisfeitos com o funcionamento do sistema democrático. Essa conquista pode ser explicada por uma espécie de herança histórica após a Segunda Guerra Mundial. “Formou-se um consenso político de que o centro deve ser relativamente forte, o próprio sistema é feito para não favorecer extremismos”, diz Kenkel. Apesar disso, o cenário de mudanças no qual Merkel teve de se arriscar tem dado combustível a grupos de extrema direita, caso do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), criado em 2013 e que pela primeira vez terá lugar no Bundestag, o parlamento alemão. “Temos uma onda forte de xenofobia, o mesmo tipo de extremismo que existe na França, Grã-Bretanha e Bélgica”, afirma Jens Borchert, cientista político da Universidade de Frankfurt. Para ele, a AfD “é um grupo de protesto que ainda não possui seguidores consolidados e, no poder, tende a se desintegrar com seus principais líderes mudando de legenda”.[posts-relacionados]

Grandes desafios aguardam a chanceler nos próximos quatro anos. Além do acolhimento dos imigrantes, a Alemanha terá de melhorar a integração política com o restante da União Europeia e conter o radicalismo. No âmbito interno, precisa combater a pobreza entre idosos, criar soluções para previdência e melhorar a representatividade dos jovens no sistema político. Para isso, Merkel precisa agora escolher as coligações que formarão o novo governo. A CDU pode se unir ao SDP, constituindo uma grande coalizão entre os maiores partidos do país ou ainda criar uma aliança com o FDP e os Verdes — a coalizão Jamaica, em alusão às cores dos partidos. Em ambos os casos, a capacidade de adaptação e o pragmatismo da chanceler serão necessários para que a Alemanha siga como motor econômico e âncora de estabilidade no continente.

O TABULEIRO POLÍTICO ALEMÃO

> União Democrata Cristã (CDU) / União Social Cristã (CSU)
Presidentes: Angela Merkel (CDU) e Horst Seehofer (CSU)
Filiados: 430 mil
Fundada em 1950 para atrair eleitores conservadores, ficou famosa com Helmut Kohl, que governou durante a queda do muro de Berlim e a reunificação alemã

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> Partido Social – Democrata (SPD)
Presidente: Martin Schulz
Filiados: 440 mil
Fundado em 1875, é o partido das classes trabalhadoras  e de filiados a sindicatos.

> A Esquerda
Presidentes: Katja Kipping, Bernd Riexinger
Filiados: 60 mil
Fundado em 2007, descende dos antigos partidos socialistas e é o maior partido de oposição no Parlamento alemão

> Partido Verde
Presidentes: Cem Özdemir e Simone Peter
Filiados: 60 mil
Cresceu com protestos sociais em 1980. Nos anos 2000, tornou-se parceiro do SPD em uma coalizão do governo federal

> Partido Liberal Democrata (FDP)
Presidente: Christian Lindner
Filiados: 54 mil
Fundado em 1948, forneceu ministros para o CDU e SPD. Contrário ao Estado social, defende a redução de impostos

> Alternativa para a Alemanha (AfD)
Presidentes: Frauke Petry, Jörg Meuthen
Filiados: 26 mil
Fundado em 2013, foi o único a celebrar a eleição de Donald Trump. Quer evitar a entrada de imigrantes em território alemão


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