Em um vilarejo perdido na vastidão da Sibéria, na Rússia, cientistas encontram fragmentos de um dos vírus mais letais da história. Eles estão em corpos enterrados em um solo congelado, que, por causa do aquecimento global, torna-se visível. O risco de o vírus retornar à vida – depois de décadas adormecido – transforma-se em algo possível. Parece enredo de filme de ficção, mas a trama é real. Ela se passa em uma localidade da região de Yakutia, em território siberiano, onde cientistas do Centro de Pesquisa em Virologia e Biotecnologia da Rússia, conhecido como Instituto Vector, investigam a presença de microorganismos ameaçadores. Examinando cadáveres, eles dizem ter encontrado partes do material genético do vírus da varíola, doença infecciosa séria capaz de matar cerca de 30% dos contaminados e fatal nos casos mais graves.

BUSCA: Na Sibéria, alvos de estudos pelos cientistas
BUSCA: Na Sibéria, alvos de estudos pelos cientistas

A enfermidade foi considerada erradicada pela Organização Mundial da Saúde em 1977, quando a entidade registrou o atendimento do último paciente – um homem sudanês. Desde então, amostras do vírus são mantidas guardadas em apenas dois locais no mundo: no Centro de Controle de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, e no Instituto Vector, na Rússia. O material está acondicionado em laboratórios de nível quatro de segurança, o mais elevado e destinado a manter os agentes infecciosos muito letais, como a bactéria antrax e o Ebola vírus.

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PLANO CONTRA O INIMIGO

O Centro de Controle de Doenças, nos EUA, organizou um conjunto de ações caso o vírus retorne

> Todos os meios de informação serão usados para atualizar a população

> Hospitais específicos serão preparados para receber pessoas infectadas. Elas ficarão em isolamento

> Quem teve contato direto com os doentes será vacinado. Em seguida, serão imunizados os indivíduos que se encontraram com este segundo grupo

> Essas pessoas deverão monitorar sua temperatura corporal e informar as autoridades de saúde sobre qualquer sinal de apresentação da doença

> Aqueles que mantiveram contato, mas não querem ser vacinados, deverão permanecer isolados por pelo menos 18 dias e reportar qualquer mudança no estado de saúde

Por seu potencial de destruição, a varíola figura na lista dos agentes que podem ser usados como arma química. Ao longo da história, foi responsável por epidemias devastadoras, matando milhões de pessoas até que a ciência desenvolvesse uma vacina. Na vila russa onde agora os cientistas afirmam ter achado corpos com marcas da doença e fragmentos do vírus, cerca de 40% da população morreu em uma dessas epidemias, ocorrida no final do século 19.

Até hoje, a tragédia havia sido enterrada no passado. Com o aquecimento global, pontos de gelo que no verão derretiam no máximo sessenta centímetros passaram a dissolver mais de um metro. E foi aí que apareceu o solo onde estavam os cadáveres. Nessas mesmas áreas, os pesquisadores afirmam ter recolhido ainda vestígios de antrax, a quem se atribui a responsabilidade pela infecção de mais de vinte pessoas na costa norte da Rússia.

Na avaliação de especialistas russos, a possibilidade de o vírus ressurgir existe, embora seja pequena. “Acho que as mudanças climáticas nos trarão surpresas. Não quero assustar ninguém, mas devemos estar preparados”, afirma Viktor Maleyev, chefe do Instituto Central de Pesquisa em Epidemiologia.

Amostras do vírus estão guardadas em dois laboratórios
de segurança máxima: um nos EUA e outro na Rússia

É verdade que determinadas características geográficas, econômicas e culturais de várias localidades ao redor do mundo são a forja perfeita para o nascimento de microorganismos perigosos contra os quais o organismo humano já demonstrou estar despreparado. Foi assim, por exemplo, com o surgimento dos vírus das gripes aviária e suína, possibilitado em muito pela combinação das condições precárias de criação de animais no interior de países asiáticos com o manuseio pouco higiênico dos bichos por seus proprietários. O flagelo da dengue também só tomou essa dimensão por causa da ocupação irracional pelo homem de espaços onde antes imperavam florestas, criando um cenário propício para a proximidade com o vírus.

No Brasil, porém, estudiosos acreditam ser muito baixo o risco de ressurgimento do vírus. “Isso é muito difícil de acontecer”, afirma a microbiologista Marina Baquerizo. Para uma avaliação mais precisa, no entanto, seria preciso conhecer, entre outras coisas, o grau de preservação do material genético. Mas a informação não é conhecida. De toda a forma, tanto o CDC, nos EUA, quanto o Instituto Vector, na Rússia, mantêm pronto um plano de ação caso a varíola deixe de ser um fantasma e ganhe vida novamente.

Verdade ou mentira?

Como outras doenças infecciosas, a varíola foi tema de filmes catástrofes, daqueles nos quais um vírus letal infecta populações inteiras. Mas, conceitualmente, muitos erros de informação foram cometidos. Abaixo, alguns deles:

1 – Na ficção

Os sintomas aparecem logo após a infecção

Verdade

A doença só se manifesta cerca de 12 a 14 dias após a contaminação. E neste período a pessoa não transmite o vírus

2 – Na ficção

Uma mesma pessoa contamina muitas outras

Verdade

Um indivíduo pode infectar entre cinco e seis pessoas

3 – Na ficção

Não fica claro quando as pessoas devem ser vacinadas

Verdade

Tomar a vacina até três dias depois da exposição ao vírus previne totalmente ou reduz de forma significativa os sintomas

4 – Na ficção

Pessoas infectadas transmitem o vírus mesmo sem estarem com as manchas na pele características da doença

Verdade

O maior potencial de contaminação ocorre quando os sintomas estão mais evidentes, como é o caso do aparecimento das manchas

Foto: Vladislav Samoylik/The Siberian