Lançado pelo cinema italiano nos anos 60, “O Incrível Exército de Brancaleone” é uma paródia bem humorada do clássico da literatura Dom Quixote de Cervantes. Na sátira, um cavaleiro atrapalhado reúne um pequeno e esfarrapado exército e tenta construir um feudo em meio a outras potências já consolidadas na Europa. Obviamente não deu certo. Assim como na ficção, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também tem agrupado um verdadeiro pelotão de feridos para levar ao sacrifício, quase todos eles alvejados por denúncias de corrupção na Lava Jato, e com eles retomar o poder no PT. Lula quer ser o presidente da sigla e criar outros postos de comando regionais: fórmula básica de distribuição de cargos para calar a boca de críticos e insatisfeitos, mesmo que sejam combatentes mutilados por suspeitas e condenações. Entre os chamados vice-presidentes regionais, Lula pretende escalar o ex-ministro Jaques Wagner, o senador Lindbergh Farias, o ex-prefeito Luiz Marinho, e o amigo pessoal Paulo Okamoto. Mas essa estratégia de comandar o partido mostra que ele se tornou surdo ao apelo popular e até de setores da legenda que clamam por uma refundação completa do PT, com renovação total de sua diretoria, transformação do modo de fazer política e reconexão com antigas bandeiras, que foram pisoteadas pelos anos no poder.

Trata-se de uma surdez conveniente. Por trás dela há um objetivo pessoal mais importante para ele do que o futuro da agremiação: salvar sua própria pele, que está ameaçada por eventual condenação, a qualquer momento, no âmbito de uma das cinco ações na justiça em que é réu. A estratégia é presidir o partido, moldá-lo novamente com seus preferidos, reunir todo apoio em torno de seu nome para lançar-se à Presidência da República para a disputa em 2018. Enquanto estiver na condição de pré-candidato, ele mantém a narrativa de que qualquer acusação tenha cunho de perseguição eleitoral.

O problema é que para manter em pé essa narrativa, o ex-presidente se mostra um oportunista de carteirinha, pois põe em risco a sobrevivência do partido. Ao contrário do que apregoam os coroados petistas implicados na Lava Jato e em outras falcatruas, há na legenda aqueles que ainda vislumbram a reconstrução do partido, capaz de empunhar a bandeira da ética sem se envergonhar. Nos últimos meses do ano passado, um movimento nessa direção foi desencadeado por lideranças como Olívio Dutra, Tarso Genro, Paulo Paim, Renato Simões, entre outros. A premissa deles era que seria impossível recuperar a estrela vermelha caso não fosse feita uma reforma profunda no partido. E isso deveria incluir Lula.

CÚPULA PETISTA DIZIMADA

Mas a movimentação de Lula pode inviabilizar qualquer movimento de recuperação da legenda e levar o PT ao raquitismo. Os petistas parecem não ter entendido o recado das ruas e das urnas, quando foram massacrados. Primeiro, pelo coro de movimentos contra a corrupção em meio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. Depois, a sigla acabou dizimada em boa parte das prefeituras nas últimas eleições municipais, perdeu nas capitais federais e até no ABC paulista, histórico reduto. Passou de terceiro para décimo lugar no número de prefeituras no País.

Entre as principais causas da ruína está o envolvimento da cúpula petista com escândalos de corrupção, como o Mensalão e o Petrolão. As duas operações levaram à prisão quadros representativos, a exemplo dos ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci, dos ex-deputados federais André Vargas e José Genoino, além dos tesoureiros Delúbio Soares, João Vaccari Neto, Paulo Ferreira e do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha.

O empenho de Lula dentro do partido tem relação com as ações que responde no âmbito das operações Lava Jato e Zelotes. O ex-presidente é réu por ser apontado como partícipe de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, organização criminosa. Não há outra saída a não ser essa é o que avaliam as principais mentes petistas. A estratégia é registrar a candidatura do ex-presidente já no próximo mês para evitar que uma possível condenação na justiça possa barrar a inscrição do nome dele no pleito.

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A VOLTA DE LULA IMPEDE RENOVAÇÃO

A tática de guerrilha pretende blindar o nome do ex-presidente do intrépido juiz federal Sérgio Moro. O magistrado do Paraná já demonstrou que não vai passar a mão na cabeça de nenhum envolvido no esquema de corrupção montado na Petrobras. O contra-ataque petista prevê o resultado de que a pré-candidatura possa corroborar com a tese de que há uma conspiração em curso para evitar que o ex-sindicalista chegue novamente ao Palácio do Planalto.

Mas a estratégia de lançar Lula à candidato à Presidência, não é consenso dentro da legenda. Uma corrente defende que a candidatura de Lula seja lançada durante o 6º Congresso Nacional do PT, marcado para ocorrem em abril ou até mesmo em maio. Um dos defensores dessa tese é o ex-ministro da Comunicação Social de Dilma Rousseff e atual prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva. “Acho que está cedo para definir a tática eleitoral. Tem de abrir esse debate. Nesse momento penso que ainda não dá para dizer que temos um nome”, disse.

Mudando de lado O ex-deputado Cândido Vacarezza saiu do PT e agora no PTdoB defende apoio a Temer
MUDANDO DE LADO O ex-deputado Cândido Vacarezza saiu do PT e agora no PTdoB defende apoio a Temer

Mas outras correntes não querem essa definição agora. O individualismo de Lula contrasta com a prioridade do partido, que neste momento é a renovação para tentar sobreviver até as próximas eleições. Isso é o que defende o senador Paulo Paim (RS). Ele disse que a prioridade é a reconstrução. Para ele, o PT vive tempos conturbados e de extrema bagunça. É preciso arrumar a casa. A população, segundo analisa, tem de sentir essa reconstrução. E deu a receita: “Defendo as causas que dão resultados no campo social, como saúde, educação, direitos dos trabalhadores. Não nomes. A gente está sempre endeusando nomes. Olhar para o horizonte, pensando no coletivo e não de forma individual, nesse ou naquele sujeito, como se fosse o salvador da pátria”.
Mudanças que outras lideranças importantes do partido defendem. Como é o caso do próprio Edinho. Menos comedido que Paim, ele faz a ressalva de que o PT precisa reconhecer seus erros para tentar sobreviver no cenário político. Para ele, o principal erro defeito da conduta do país pelo partido foi o modelo político de financiamento. “Para mim foi o maior erro”, reconhece.

“A esquerda deveria apoiar Temer”
O ex-deputado Cândido Vaccarezza, que foi líder dos governos Lula e Dilma e que durante 30 anos foi filiado ao PT, está agora militando no PTdoB, com o objetivo de atrair petistas descontentes. Ele acha que a esquerda deveria apoiar o governo de Michel Temer.

O que provocou a sua saída do PT?
Eu já não tinha muito espaço no PT. Fiz muitas críticas ao governo da Dilma. No impeachment, eu achava que não era golpe.

Há um êxodo no PT?
Sim. O PT em vez de concentrar o debate na reforma tributária, para o Brasil desonerar a indústria, o comércio, a produção no setor de serviços, priorizou a ampliação de crédito generalizado para a população. Em vez de priorizar ensino em tempo integral e pagar bem os professores, fez faculdade, ampliou vagas do Fies e Prouni. O PT se perdeu.

Por que o apoio ao presidente Michel Temer?
O Temer tomou algumas medidas importantes. A esquerda deveria apoiar e discutir uma profunda mudança na educação e defendido a alteração na PEC dos gastos para cinco anos. Eu acho que a esquerda deveria fazer parte do governo.

O resultado pífio do PT nas urnas foi duramente criticado pelo ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra. Ele creditou a ruína petista à cúpula e fez duras críticas ao ex-presidente Lula. Para ele, a legenda assumiu uma postura que contraria os princípios que nortearam a história do partido. Dutra é dono da frase que percorreu o país: “tem de levar lambada forte mesmo”, disse ele sobre a perda de prefeituras pela sigla na eleição passada. “Lula acabou protegendo gente que não tem nada a ver com um projeto de partido de esquerda”, alfinetou.

Mas há os que ignoram o apelo dos filiados, como o ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT). Amigo do ex-presidente, ele defende a volta de Lula ao Palácio do Planalto como forma de blindá-lo das sanções judiciais por ser apontado pela Lava Jato como “general” de organização criminosa. Embora defenda um pacto político para a antecipação das eleições, a cassação de Temer seria um golpe, afirma. “O Lula deve ser candidato. Na circunstância de ataque, de agressão, de busca de destruição do legado do Lula, ele não tem saída a não ser sair candidato”, afirmou ele.

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