CONTRADIÇÕES Acima, foto divulgada por um site evangélico que colocou Patrícia como assediadora e Feliciano como vítima
CONTRADIÇÕES Acima, foto divulgada por um site evangélico que colocou Patrícia como assediadora e Feliciano como vítima

Um pastor evangélico. Um partido conservador. Uma jovem de 22 anos. Denúncias de agressão, assédio sexual, estupro e extorsão. E uma mal explicada negociação envolvendo cifras milionárias. O pastor acusado de agredir e estuprar a jornalista militante Patrícia Lélis é o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), pregador da moralidade familiar. O crime teria ocorrido no dia 15 de junho, mas somente na noite do domingo 7 de agosto ela registrou o boletim de ocorrência contra o parlamentar na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Brasília. Três dias antes, a jovem anotou outra queixa, desta vez em uma delegacia de São Paulo, contra o chefe de gabinete de Feliciano, Talma Bauer. No documento, ela o acusa de mantê-la em cárcere privado em um hotel na capital paulista e de obrigá-la a gravar vídeos negando suas próprias acusações, sob ameaças. Porém, gravações da câmera do hotel em que a moça ficou hospedada e registros escondidos que a mostram aparentemente tranquila negociando valores mudaram o rumo das investigações e passaram a incriminar Patrícia por extorsão. Por outro lado, Feliciano está na mira da Delegacia da Mulher de Brasília e da Polícia Federal – caso o Supremo Tribunal Federal acolha a denúncia da Procuradoria Geral da República. Ele é suspeito de agressão e tentativa de estupro.

Acima, imagens da câmera do hotel San Rafael, em São Paulo, mostram a jovem abraçando o chefe de gabinete Bauer
Acima, imagens da câmera do hotel San Rafael, em São Paulo, mostram a jovem abraçando o chefe de gabinete Bauer

A intrincada trama teve início no dia 15 de junho quando, segundo Patrícia, Feliciano a teria atraído até o apartamento funcional dele, em Brasília, para uma reunião da juventude da sigla, da qual a jornalista fazia parte. A partir daí, há uma sequência de fatos que ainda estão sendo investigados pela polícia, com versões que se contradizem. Patrícia afirma que Feliciano teria oferecido a ela um cargo no partido com um salário de R$ 15 mil. “Eu não aceitei. Ele veio para cima de mim, tentou me arrastar para o quarto e tirar a minha roupa”, disse. “Diante da minha resistência, ele me bateu e comecei a gritar.” O barulho chamou a atenção de uma vizinha, que teria tocado a campainha insistentemente. “Feliciano abriu a porta e uma mulher perguntou se estava tudo bem. Enquanto isso, Patrícia vestiu algumas roupas e conseguiu sair de lá”, disse à ISTOÉ José Carlos Carvalho, advogado da jovem. Horas depois ela ligou para a mãe, Maria Aparecida de Oliveira Lélis, que a encontrou no banheiro da faculdade com hematomas nas pernas e a boca inchada. Patrícia, porém, teria dito a ela que caiu no banheiro. A partir daí, a jovem começou a recolher provas para incriminar o deputado e procurou ajuda da imprensa para denunciar o crime. Em uma conversa pelo aplicativo Telegram, em supostos diálogos com Feliciano, ela diz: “o senhor me assustou”, “veio com uns assuntos estranhos, me machucou, estou com a boca roxa.”

INVESTIGAÇÃO Polícia descarta versão de cárcere privado após ter acesso a vídeos e fotos do chefe de gabinete Bauer, Patrícia e o namorado em um restaurante de São Paulo
INVESTIGAÇÃO Polícia descarta versão de cárcere privado após ter acesso a vídeos e fotos do chefe de gabinete Bauer, Patrícia e o namorado em um restaurante de São Paulo

Nas conversas, Feliciano teria dito que Patrícia “é uma moça linda e atraente” e que ninguém acreditaria nas versões da jovem. No dia seguinte à suposta tentativa de estupro, Patricia diz que foi procurada por Bauer. O chefe de gabinete do deputado teria perguntado quanto ela queria para “colocar uma pedra no assunto”. Horas depois, a jornalista afirma ter procurado o presidente do partido, o pastor Everaldo (PSC-RJ), para denunciar Feliciano. Ele teria oferecido dinheiro para não levar o caso adiante. Em entrevista à ISTOÉ, o religioso nega. “Essa história é uma grande mentira”, diz Everaldo, contrariando o depoimento que Patrícia deu à polícia. No dia 2 de agosto, as contradições se aprofundaram. As cópias das conversas pelo aplicativo foram divulgadas pelo Blog da Esplanada, mostrando evidências de que ela teria sofrido um estupro. Porém, no mesmo dia, Patrícia surge em um vídeo nas redes sociais acusando o jornalista de forjar a história. O advogado da jovem afirma que ela fez a gravação sob ameaça de Bauer. Nesse período, um homem identificado como Emerson Biazon, assessor do PRB, teria convidado a jornalista para viajar a São Paulo.

Acima, conversa do aplicativo mostra indícios de negociação entre um assessor do PRB e a jovem
Acima, conversa do aplicativo mostra indícios de negociação entre um assessor do PRB e a jovem

Em depoimento ao delegado Luís Roberto Hellmeister, da 3ª DP de São Paulo, no dia 9 de agosto, Biazon entregou fotos e prints de mensagens atribuídas ao celular de Patrícia. Nas conversas fica evidente que ambos negociavam um pagamento a ela de R$ 300 mil, divididos em seis parcelas. O advogado de Patrícia afirmou que, nesse período, a jovem teria sido mantida em cárcere privado no hotel San Rafael, no centro de São Paulo. “Biazon firmou um contrato com ela, pagou a passagem e a hospedagem. Chegando ao hotel, Bauer estava lá e começou a fazer ameaças e pedir as senhas dela do facebook, instragram e whatsapp”, diz Carvalho. Porém, ao contrario do que afirma a defesa, as imagens da câmera da recepção do hotel mostram Patrícia abraçando o chefe de gabinete de Feliciano. Outro vídeo, em posse da polícia, mostra Bauer e Patrícia negociando um pagamento de R$ 50 mil à jovem. No diálogo, o assessor de Feliciano afirma ter entregue o dinheiro a Artur Mangabeira, noivo de uma amiga de Patrícia. Esse intermediário teria pago R$ 10 mil a jornalista. “O valor é os dez, pode falar isso pra ele… Pilantra, quer passar a perna em mim?”, diz Patrícia, irritada no vídeo. “Bauer, quero enfiar a cara dele no chão. Promete que você vai fazer alguma coisa com ele.”

Esse vídeo e as imagens fornecidas pelo hotel à polícia mudaram o rumo das investigações. Os registros mostram também a jornalista recebendo o namorado. Agora, ela será indiciada por extorsão e falsa comunicação de crime, já que os investigadores descartaram a hipótese de cárcere privado. Bauer, que foi detido para prestar esclarecimento, também poderá ser enquadrado. A defesa da jovem, no entanto, diz que ela não recebeu dinheiro. “A negociação foi forçada pelo assessor”, diz Carvalho. Outro fato que pesa contra Patrícia é que ela teria ligado para a mãe pedindo que ela abrisse uma conta de pessoa jurídica.

Em Brasília, pessoas próximas a jornalista dizem que ela é ambiciosa, gosta de se aproximar de pessoas poderosas e costuma postar fotos falsas de viagens. Por outro lado, Feliciano carrega nas costas a fama de assediador. Após o escândalo estourar, o parlamentar se recolheu, trocou de celular e se recusa a dar entrevistas. Em seu perfil no Facebook, ele tem se limitado a postar mensagens bíblicas e eventuais notícias contra Patrícia. Também gravou uma mensagem ao lado da mulher, Edileusa. Agora, é alvo do Conselho de Ética da Câmara, da Delegacia da Mulher e da Procuradoria Geral da União.