Não haveria doente no País se cada cidadão ganhasse um dia de saúde cada vez que ouvisse as autoridades dizerem que é preciso melhorar a situação geral da… saúde. Ouve-se isso de todas as bocas que têm poder para decidir, ouve-se isso por todos os lados em que se pede socorro. As condições de acesso a médicos e tratamentos tornam-se, no entanto, cada dia mais difíceis, e o sistema degrada-se num ritmo alucinante. Em meio à falência múltipla dos órgãos que cuidam desse setor, nasceu um impasse: a judicialização da saúde. Trocando em miúdos: ou o cidadão bate às portas da Justiça ou corre risco de ficar sem remédio, sem médico, sem cirurgia, sem prótese, sem atendimento adequado – e sem vida.

Estima-se que em 2016 os gastos da União, dos estados e municípios com a judicialização cheguem R$ 7 bilhões (no último triênio subiu 129%). Pede-se de tudo nas ações judiciais, de esparadrapo a absorventes íntimos, que, pelas normas da OMS, são mesmo inerentes à área. O Poder Judiciário vem sendo injustamente criticado porque está fazendo o que tem de fazer, determinando que seja cumprida a Constituição, clara ao fixar que a União é obrigada a fornecer zelo integral no campo da saúde. Aqueles que, no âmbito público ou privado, deveriam não tê-la quebrado são os primeiros a criticarem os juízes. Cobra-se razoabilidade nas decisões, como se fosse plausível a um magistrado não despachar favoravelmente ao paciente, sabendo ele da bandalheira promovida, por exemplo, por setores do PT que estiveram no poder – nem a Previdência nem o dinheiro mirrado dos aposentados ficaram a salvo de rapinagem.

“Ou o cidadão bate às portas da Justiça ou corre risco de ficar
sem remédio, sem médico, sem cirurgia, sem prótese – e sem vida”

Uma proposta de solução que está sendo colocada é a formação de núcleos de profissionais para atuarem junto ao Judiciário e dar-lhe subsídios técnicos. Trata-se de declarada interferência na autonomia de consciência dos membros da magistratura e proponho, então, que juízes também passem a atuar junto aos responsáveis pela escalada na majoração dos preços de medicamentos. Alega-se, por fim, que a judicialização faz o direto individual prevalecer sobre o coletivo, e isso compromete a sustentabilidade da estrutura da saúde. Equívoco. A estrutura está falida porque o seu sucateamento se confunde com a nossa própria história republicana. E, daqui a pouco, vão jogar a culpa no próprio doente.