editorial-ie

Num ardil parlamentar que já está virando praxe, deputados tentaram na calada da noite de uma segunda-feira (normalmente vazia nas sessões plenárias) armar o impensável. Sorrateiramente, mancomunados pelo bem comum, buscaram na prática escapar das garras da Justiça. Juntos lançaram na pauta de votação, às pressas, um projeto de lei criminalizando o caixa dois. Essa seria a banda boa da iniciativa, digamos assim, em sintonia com o que pretendia o Ministério Público Federal ao defender recentemente dez medidas contra a corrupção. Mas algo que, a princípio, poderia representar um avanço, já que tipificaria como crime passível de punição específica a deplorável prática, escondia na verdade um truque diabólico. Dispositivo introduzido na proposta previa a anistia ampla, geral e irrestrita para aqueles flagrados como beneficiários desse tipo de dinheiro antes da nova lei entrar em vigor. Em outras palavras: todos os envolvidos no odioso costume de receber “por fora” seriam inimputáveis pelo que tivessem feito até então. O que havia ocorrido no passado, no submundo das tramoias financeiras da política, ficaria lá, esquecido e perdoado. Fossem práticas de caixa dois em contribuições de campanha ou recebimento de propina pura e simples mesmo. Estariam assim os nobres parlamentares isentos, blindados, sem a necessidade de prestarem contas à polícia pelo eventual erro de se elegerem a base de doações ilegais, não contabilizadas. Um golpe na mais precisa assepsia da palavra. A agilidade em fazer passar o quanto antes a medida tinha suas razões de ser. O temor de envolvimento nas delações, prestes a desembocar, dos executivos da Odebrecht que prometem listar ao menos 100 políticos metidos em falcatruas e desvios de campanha. O desfecho sombrio da manobra foi abortado graças à atuação de poucos deputados de fora da corriola que denunciaram o esquema. Não apareceu sequer um autor ou coparticipante do recurso incluído na pauta. Os articuladores debandaram rapidamente quando foram pilhados em flagrante sobre as suas reais intenções. Mesmo o primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur, que dirigia os trabalhos no lugar de Rodrigo Maia (interinamente ocupando a presidência da República), fugiu do assunto. Interpelado sobre as razões e a responsabilidade pela inclusão da matéria em votação decidiu encerrar sumariamente com a sessão. Ao que tudo indica o presidente do Senado, o da Câmara e os principais líderes partidários estariam por dentro do que estava acontecendo, muito embora neguem. A maioria usufruiu ou teve algum elo com os articuladores das doações não contabilizadas e o aval, de maneira discreta, à ideia da anistia ajudaria a evitar condenações futuras. Contavam-se 300 deputados na Câmara na noite da segunda-feira, 19, prontos para votar a anistia do caixa 2. No dia seguinte, o Congresso adiou a apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias por falta de quórum. Estavam evidentes os interesses em jogo. Pode existir acordo mais vergonhoso do que esse levado a cabo pelos senhores parlamentares? Não é de hoje que eles alimentam o desejo inconfessável de barrar ou de ao menos diminuir os efeitos da Lava Jato. Almejam isso tanto os arautos da chamada esquerda como os dito de direita. Receiam, entre outras coisas, que a nova presidente do STF, Cármen Lúcia, leve ao pé da letra a disposição demonstrada em punir, na última instância, os responsáveis pela bandalheira. Sobre o que pensa a respeito de caixa dois, a ministra não deixou dúvidas. Disse ela tempos atrás: “Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois” na tribuna do tribunal supremo do País como se fosse algo banal. Caixa dois é crime”. Não haverá perdão, decerto, na mais alta corte. Será que deputados e senadores ainda não entenderam que não tem mais espaço para essas tramoias? Não vão nunca tomar jeito e vergonha na cara? Respeitem os valores republicanos e o decoro, senhores legisladores! Honrem o voto que receberam e mudem os hábitos. Para o próprio bem e de toda Nação que quer trilhar novos rumos, moralizantes e longe da esbórnia geral que vossas excelências construíram no passado.


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