O Senado do Brasil é muito rigoroso quanto às normas de decoro, a ponto de não permitir que homens entrem no recinto sem paletó ou gravata. Mas quando se trata de denúncias de corrupção, estes legisladores, agora juízes de Dilma Rousseff, são bem mais flexíveis.

“Que moral tem o Senado para submeter Dilma a julgamento?”, perguntou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), uma das mais ferrenhas defensoras de Dilma, na quinta-feira, primeiro dia da fase final do julgamento contra Dilma no Senado.

A organização Transparência Brasil revelou que 59% dos 81 senadores, que decidirão se a presidente será destituída definitivamente de seu mandato, foram condenados, acusados ou investigados por crimes em algum momento.

A mesma porcentagem se repete na Câmara dos Deputados, que deu sinal verde para o início desse processo há nove meses.

Dilma é acusada de manipular ilegalmente as contas do governo para disfarçar o déficit fiscal da crise. Entretanto, esse suposto crime que viola as normas fiscais contempladas na Constituição, não sugere que ela seja corrupta.

Não se pode dizer o mesmo de muitos dos que ocuparam uma cadeira do Congresso nos últimos anos, que contam com uma extensa lista que vai de acusações de desvio de recursos a compra de votos, até suposto homicídio.

O Brasil aparece na 76ª colocação no Índice de Percepção da Corrupção de Transparência Internacional em um total de 168 países.

Peixes grandes

Os envolvidos em crimes incluem algumas das mais ilustres figuras do Brasil.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, é acusado de receber milhões de dólares em subornos, junto a outros políticos e líderes empresariais, implicados na multimilionária trama de corrupção da Petrobras.

Outro “peixe grande” é o do senador Aécio Neves, que perdeu por 3% as eleições em 2014 contra Dilma.

Aécio, que defende o impeachment, seria candidato novamente em 2018. O senador é investigado por supostamente aceitar subornos e sua família está na mira por uma conta bancária secreta em Liechtenstein.

Na Câmara dos Deputados, destaca-se o leque de políticos suspeitos, como o ex-presidente Eduardo Cunha, a quem é atribuído o planejamento do impeachment.

Cunha é acusado de beneficiar-se da fraude na Petrobras e de mentir no Congresso sobre contas que tinha na Suíça. Depois de muita resistência, renunciou em julho à presidência da Câmara e enfrenta agora um processo de destituição do Congresso.

Mais por vir?

O caso Petrobras, conhecido como operação Lava Jato, revelou uma trama criminosa que custou mais de 2 bilhões de dólares à empresa. A operação não para de surpreender a cada confissão dos envolvidos na investigação. Muitos deles fazem acordos com a justiça para reduzir suas penas.

A Lava Jato terminou por cercar o governo, inclusive o ex-presidente Lula, antecessor e mentor político de Dilma, que agora está também na mira da justiça por supostas práticas corruptas. A própria Gleisi Hoffmann é investigada por um caso vinculado a Lava Jato.

Espera-se agora uma nova onda de revelações com a delação premiada de Marcelo Odebrecht, ex-presidente do gigantesco grupo de sua família e protagonista da corrupção na petroleira.

Relatórios vazados pela imprensa nas últimas semanas conectaram a Odebrecht com Michel Temer, o homem que assumirá definitivamente o poder, se Dilma for destituída.

Ainda que não existam acusações contra ele, os relatos indicam que o presidente interino e aliados próximos aceitaram doações do magnata que subornava políticos em escala industrial.