A partir de 5 e outubro no parque Villa-Lobos em São Paulo e de 28 de dezembro no parque Olímpico do Rio de Janeiro, o Cirque du Soleil apresenta o espetáculo “Amaluna” depois de quatro anos de ausência no Brasil com o desafio de voltar a ser circo. A meta pode parecer fácil, pois o Cirque não deixa de ser estruturalmente um circo, ainda que sua operação gigantesca não siga os moldes tradicionais.

Ele desembarcou em São Paulo na semana passada, mas leva 15 dias para instalar sua “cidade circense”: uma grande tenda onde acontecem as exibições, com capacidade para 2.600 pessoas, e três suplementares, a de entrada, a VIP e a dos artistas, com camarins, vestiários e área de treinamento. A Grande Tenda possui 19 metros de altura, 51 metros de diâmetro, apoiada em quatro mastros de 21 metros de altura. Até a estreia, 85 pessoas se ocupam da montagem.

COMPETIÇÃO Jovens acrobatas disputam força e agilidade para impressionar as habitantes da ilha de Amaluna e conquistá-las (Crédito:Divulgação)

A aparência externa de circo encobre o que o Cirque tem de original. O artista de rua Guy Laliberté fundou a companhia em 1984 na cidade de Baie-Saint-Paul, em Québec, com um projeto inovador. Ao longo de três décadas, seu modelo foi adotado por quase todos os circos do mundo. Virou lugar-comum dizer que o Cirque reinventou o circo. Mas agora ele se propõe a reinventá-lo mais uma vez. Para isso, certamente não levará animais ao picadeiro – atrações típicas do gênero antigo banidos desde o início pelo fundador.

Encenação popular

A resposta pode vir da história do Cirque. Nos anos de luta em defesa de padrões renovadores, uma parte do espírito circense ancestral se apagou do Cirque: a ausência de animais permitiu que público e artistas se aproximassem, mas os roteiros se tornaram cada vez mais intelectualizados, os palhaços ficaram mais tristes e as apresentações, repletas de fórmulas que cansaram o público. Além disso, para manter a alma, o Cirque sacrificou um pedaço do coração do circo. Ele se multiplicou a ponto de eliminar, em boa parte, três elementos que distinguem a arte circense das outras: a lona, a itinerância e a incoerência, a ausência de um fio condutor. Dos 16 espetáculos que a empresa produz agora, todos com temas determinados, dez já não são, a rigor, circenses. Sete récitas acontecem em tendas, mas com endereço fixo: seis em Las Vegas, um em Orlando e um na Cidade do México. Há três montagens que excursionam por estádios da América do Norte e Europa. Representações na lona e itinerantes são seis: “Volta”, “Kurios” e “Luzia”, na América do Norte, “Kooz” e “Totem”, na Ásia, e “Amaluna”, na América do Sul, desde julho.

Com o objetivo de manter eventos simultâneos, o Cirque se agigantou e ofuscou os roteiros pelo exibicionismo acrobático. Agora, trata de restituir a inocência original. “Tornamos tudo mais leve para aproximar artistas da audiência”, diz o californiano James Santos, diretor artístico de “Amaluna”. “Queremos mais contatos interativos. Daí a presença ostensiva dos palhaços e o empenho dos acrobatas em conversar com a plateia, olhar nos olhos das pessoas e verificar se estão gostando da experiência.”

Bianca Tatamiya

“Tornamos tudo mais leve para aproximar artistas da audiência. Queremos mais contatos interativos” James Santos, diretor artístico de “Amaluna”

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“Amaluna” é uma encenação popular que parte de uma premissa acessível. “É uma homenagem à energia feminina”, diz Santos. Ele se incumbe da missão de encenar a história da diretora de ópera americana Diane Paulus. A coreografia é da americana Karole Armitage, conhecida como “punk ballerina”, e a trilha original da dupla pop canadense Bob & Bill. “É a trilha mais rock’n’roll de toda a história da companhia”, diz a guitarrista RoseAna Laguana, que sola à frente da banda de rock que conduz o show com som pesado. “O curioso é que a partitura tem mil páginas, mas os músicos criam a partir dela.”

O roteiro feminista aborda episódios na ilha mitológica de Amaluna, formada por mulheres. Ela é invadida por homens, que promovem um torneio entre os sexos. Durante a competição, a jovem Miranda se apaixona pelo líder do grupo rival, o príncipe Romeo. Atenção, spoiler: a reconciliação final entre os sexos, sob o domínio feminino, se materializa em uma apoteose de luzes, sons, saltos e contorções impossíveis de ser imitadas por seres humanos não treinados.

O novo “cirquês” da palhaça

No palco giratório que lembra um picadeiro, atuam 46 artistas, entre trapezistas, ciclistas, malabaristas e atores de 20 nacionalidades. Pela primeira vez na história da companhiua, o elenco conta com mais mulheres que homens. O atleta russo Evgeny Kurkin, que interpreta Romeo, é especialista em “chinese pole”, um exercício que exige disciplina, mas também imaginação. “Há um momento que eu me atiro do alto do mastro, quase tocando o nariz no chão, para impressionar Miranda”, diz Kurkin. “A cena é perigosa e passional. Tenho que expressar sentimentos além de realizar as acrobacias.”

Em torno do palco e nos corredores, a palhaça brasileira Gabriella Argento brinca com o público e faz par romântico com um palhaço. Ela vive o mesmo papel desde 2012. “Eu me apresentei em 15 países, mas é minha estreia no Brasil”, diz. “O espetáculo é mais humano e realista do que outros. Os artistas não exibem maquiagem carregada. Eles fazem papéis que fazem parte de suas vidas. Seus rostos são reconhecidos na rua. É como no circo tradicional.” Como palhaços improvisam mais que acrobatas, Gabriella se permite inventar palavras e sons em torno do “cirquês”, o idioma universal lançado pelo Cirque. “Misturo palavras, pios e cantos brasileiros”, afirma.

A conjugação de sublime e grotesco é descrita por Santos como uma ópera acrobática dotada de conteúdo, em que o público se identifica com o humor dos palhaços e as façanhas incríveis dos acrobatas, que também riem, acenam e se relacionam com as pessoas. “Eles não se colocam num plano superior para ser admirados, e sim convidar as pessoas a fazer parte da brincadeira”, diz.

O Cirque du Soleil parece ter redescoberto o segredo de polichinelo do circo: a simplicidade.

Os números do Cirque

20 artistas formavam o Cirque du Soleil quando começou, em 1984

4mil funcionários e 1.300 artistas de 50 países em 2017

400 cidades de 60 países e 6 continentes foram visitados

160 milhões de espectadores desde a fundação


90 caminhões para transportar 2 mil toneladas de equipamentos

 


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